Foi o sr. Francisco José de Caldas Aulete — recorda o ilustre Júlio de Castilho — , cavalheiro inteligente, enérgico, e activo, quem tomando de aforamento em 1835 aquelas ruínas, começou com ousadia e bom gosto o despejamento e arborização do pequenino largo que fica no topo da Rua da Condessa, e a edificação do palácio, hoje afogado nas informes construções da Escola Académica. A iniciativa do sr. Caldas se deve exclusivamente a completa metamorfose daquela encosta. Das obras dele pouco se pode já apreciar, porque a Escola demoliu em parte, e em parte recobriu, o que havia.
|
Escola Académica [c. 1900] Calçada do Duque; entrada lateral da Estação do Rossio. Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
O largozinho a meio da calçada, onde desemboca a Rua da Condessa, era antes das obras últimas um sitio lindo, com um quid de nobreza e distinção, que em poucas paragens desta Lisboa se encontrava. Ao fundo, com umas heras pendentes, aqui, ali, um farto lanço da muralha guerreira d'el-rei D. Fernando. Lembra-me que havia lá no alto uma pequena porta ogival [vd. 2ª imagem], puro moyen age, e para que levava uma escadaria estreita, de lanços, ao rés da parede. Aquela linha extravagante e inesperada quebrava a extensão do muro, e compunha.
O pátio ajardinado e sombrio era o digno átrio de tão recatada residência, dominada pitorescamente pelas ameias da muralha feudal.
… Tour vieille, et maison neuve.
Aos lados da entrada, dentro do pátio, dois leões colossais, de pedra, que tinham pertencido á quinta do marquês de Ponte de Lima em Mafra. Todo o muro exterior junto ao portão fora pintado pelo nosso insigne e fantasioso Cinatti; eram rosaças e ornamento a claro escuro, e do mais apurado gosto.
Por dentro, que vivenda luxuosa e elegante! os belos salões caíam sobre uma densa mata chilreada, e desfrutavam, como pano de fundo, através da rota cortina verde florida dos arvoredos, a nobre vista da Alcáçova. O arquitecto foi o cenógrafo italiano Luiz Chiari, já então velhíssimo. O vestíbulo, que era oitavado, pintou-o o nosso André Monteiro, assim como a casa de jantar, adornada de caçadas e paisagens; finalmente foi o brilhante pincel de José Francisco de Freitas, que encheu de flores as paredes das salas, cujos magníficos espelhos tinham pertencido á rainha a senhora D. Carlota, e vindo do Ramalhão.
No palácio do sr. Caldas varias pessoas conhecidas habitaram, além dos proprietários que ali estiveram muitos anos.¹
|
Portão do antigo Palácio Caldas Aulete Largo formado pela Calçada do Duque com a Rua da Condessa Desenho conjectural por J. Castilho |
Em 1863, António Florêncio dos Santos adquiriu toda a propriedade a Francisco Júlio de Caldas Aulete (1826—1878) — professor, lexicógrafo e solicitador da Casa Real, autor de diversos livros didácticos e iniciador do Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa — que foi completamente transformada para nela instalar a Escola Académica (1847-1977).
A Escola Académica,
inaugurava a 8 de Janeiro de 1865 na Calçada do Duque, com a presença da família Real, um edifício de quatro andares construído de raiz.
Esta Escola foi pioneira no nosso país ao reunir valências de instrução primária, secundária e profissional, num mesmo estabelecimento de ensino.
Desde 1927 pertence à CP (Comboios de Portugal).²
|
Largo formado pela Calçada do Duque com a Rua da Condessa [1946] Portão do antiga Escola Académica, hoje C.P. (Comboios de Portugal). Martinez Pozal, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
¹ CASTILHO, Júlio de, A Lisboa Antiga, pp. 148-149, 1893.
² Revista universal Lisbonense.
No comments:
Post a Comment