Sunday 13 October 2019

Cadeia do Aljube e o «Celeiro da Mitra»

Subindo, na linha dos carros eléctricos da Graça, a Rua do Arco do Limoeiro — pode ler-se no Guia de Portugal — vê-se, à esq., a cadeia do Aljube, que serve de prisão para mulheres. É um velho edifício de janelas gradeadas, em cujo pavimento térreo era o antigo celeiro da Mitra. Foi palácio do arcebispo de Lisboa D. Miguel de Castro (séc. XVI), tendo servido no séc. XVII de palácio arquiepiscopal.


O que teria sido o edifício actual do Aljube, situado na Rua de Augusto Rosa [antiga do Arco do Limoeiro], em frente da fachada norte da Sé, e quem o teria mandado erigir?
O edifício actual não oferece aspecto de haver servido de palácio ou paço episcopal, mas é natural que tenha havido nesse local alguma dependência do mesmo.
Que por ali foi uma dependência do paço mostra-o o escudo de armas do arcebispo D. Miguel de Castro (1668 a 1625) colocado sobre a porta principal do edifício [vd. 4ª foto], o que faz supor, se não a sua fundação, pelo menos obras na época deste prelado, ou remodelação do edifício que anteriormente tivesse existido nesse sítio.

Cadeia do Aljube [post. 1914]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro
Em cima, à esq., pode ver-se o topo da pirâmide que encimava a torre 

Norte da Sé Patriarcal antes das obras de restauro.
Charles Chusseau-Flaviens, in GEH

A sua arquitectura exterior, assim como a sua estrutura interior, não revelam grande antiguidade, parecendo serem obra da segunda metade do século XVIII, não falando dos andares superiores, que são relativamente modernos.
Tem uma loja abobadada, um rés-do-chão, e mais quatro andares. O rés-do-chão é dividido em poucos compartimentos, todos abobadados, com abóbadas de aresta que tomam apoio nas paredes exteriores, em pilares centrais, e noutras paredes interiores; o primeiro andar tem alguns compartimentos cobertos com abóbada, e outros com tecto plano estucado; os andares superiores não apresentam cousa digna de menção.
No edifício se instalou, ignoramos desde quando, a prisão designada por Aljube.

Cadeia do Aljube, Pátio do Aljube [c. 1900]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro

Escadaria de pedra entre os dois edifícios: o Aljube e o «Celeiro da Mitra»; do lado esq. vê.se a antiga entrada sobrepujada pelo escudo de armas do arcebispo D. Miguel de Castro (1568-1625)
 José Artur Bárcia, inAML

Era o Aljube a prisão dos delinquentes em matéria eclesiástica. Assim o diz Bluteau em 1712.
Este cárcere é porém muito antigo, pois já as constituições do arcebispado de Lisboa de 1536, publicadas em 1588, estabeleciam a pena de prisão dos ministros da igreja no Aljube.
O alvará de D. João III, de 16 de Janeiro de 1554, determinava que os presos no Aljube do arcebispado de Lisboa, condenados para o Brasil, ou para as galés, fossem recebidos na Cadeia da dita cidade, para serem embarcados quando houvesse leva de outros presos.
Não dizem porém os autores antigos onde era situada esta prisão. Antes de 1755, do lado esquerdo da Rua Nova do Almada, na sua base, ficava o Largo do Aljube, que devia o nome a umas casas, naquele ano pertencentes ao visconde de Barbacena, e que anteriormente serviram de aljube. Na prisão do Aljube estavam encarcerados, em 1848, os forçados a trabalhos públicos; mais tarde foi o cárcere privativo das mulheres; actualmente (1936) serve de prisão a presos políticos.

Cadeia do Aljube [1901]
O edifício apresentava apenas um andar sobre o térreo
Machado & Souza


Cadeia do Aljube, portão [1959]
Pedra de armas de D. Miguel de Castro
Machado & Souza


Noutros tempos era a passagem para o pátio do Aljube feita por uma escada com seu adro, defronte da porta travessa da Sé, que a Câmara Municipal mandou demolir em Junho de 1836 substituindo-a pela escadaria de pedra entre os dois edifícios, que lá está.
Apenas separado do Aljube pela escada de pedra citada, fica um outro edifício conhecido por celeiro da mitra [vd. foto abaixo], actualmente com rés-do-chão e dois andares. Sobre a porta principal vêm-se, em alto relevo, as armas do arcebispo D. Afonso Furtado de Mendoça, que governou a diocese de Lisboa de 1627 a 1630. Este emblema heráldico indica, se não a construção original, ao menos obras de reconstrução ou remodelação no 2.° quartel do século XVII, e, em qualquer dos casos, que o edifício era uma dependência do paço dos arcebispos, que lhe ficava fronteiro.

Cadeia do Aljube e o Celeiro da Mitra [1971]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro

À altura das janelas do 2º andar observa-se a Pedra de Armas do arcebispo D. Afonso Furtado de Mendoça, encimada por um chapéu com 3 ordens de borlas pendentes.
 Fotógrafo não identificado, in AML

Por cima deste escudo existiu a seguinte inscrição, que o visconde de Castilho copiou, e deixou nos seus apontamentos para uma 2.ª edição da sua obra:
FOREIRO
AS CADEIRAS SU
PREMIDAS, HOJE
ENCORPORADAS
NO R SIMINARIO
DO PATRIARCA
DO EXIST.E NA V.ª
DE SANTARÉM
1....3
Já lá não está.
As paredes do rés-do-chão e primeiro andar são grossíssimas, e aquele só tinha originariamente um compartimento único, abobadado, sem apoios intermédios.
O rés-do-chão foi uma cavalariça, e ainda lá se conservam vinte e nove manjedouras, em frente de outros tantos nichos abertos nas paredes dianteira e posterior da casa, correspondentemente às quadras do gado [os tristemente célebres «curros»].
O edifício ainda em 1914 tinha apenas um andar sobre o térreo, o qual servia então de Teatro do Aljube. Sobre ele foi construído, há poucos anos, um 2.° andar, e nos dois está instalada actualmente (1936) uma oficina de maleiro.

Rua do Arco do Limoeiro, desde 1924 Rua Agusto Rosa [post. 1906]
Do lado esq.  — fronteiro à Cadeia do Aljube — observa-se o portão, do estilo de Renascença, que dava entrada para o antigo Paço dos Arcebispos.
Segundo Norberto de Araújo, este portão foi construido no tempo do arcebispo D. Luiz de Sousa. no final do século XVII; em último plano vê-se a torre Norte da Sé Patriarcal encimada por pirâmide derribada por volta de 1930.
 José Artur Bárcia, in AML

N. B. A 25 de Abril de 2015 foi inaugurado neste edifício o Museu do Aljube, cumprindo o dever de gratidão e de memória da cidade de Lisboa e do país às vítimas da prisão e da tortura. A reabilitação e adaptação do imóvel a espaço museológico esteve a cargo do arq-º Graça Dias.
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Bibliografia
Guia de Portugal: v. Generalidades. Lisboa e arredores, p. 279, 1924.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. VI, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. II, 1938.

1 comment:

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