Wednesday, 16 October 2019

Merceeiras d'el Rei D. Afonso IV

Aqui temos agora uns passos andados à direita da rua [de Augusto Rosa], este prédio pequeno, chamado, e justamente, das "Merceeiras". Foi, e é, a sede de uma instituição fundada por D. Afonso IV e por D. Beatriz [ou Brites]¹, sua mulher (cujos túmulos, reconstruídos, estão na capela-mór da Sé).

 

"Merceeiras" provêm de "mercê" e não de "merce" — mercadoria — ; eram instituições de assistência onde aqueles que recebiam mercê ficavam com certos encargos espirituais ou religiosos. Nesta casa se recolheram, segundo a disposição real de 1343, vinte e quatro criaturas, "doze homens bons e doze mulheres de bons costumes, fama e vergonha", que, havendo tido honra e alguma cousa de seu, caísse depois em penúria.
De seu começo a Casa, que tinha carácter de hospício, não assentava neste sítio, mas mais baixo para a banda do rio, a encostar à muralha que corria onde é hoje o Campo das Cebolas; mais tarde esteve nas traseiras de Santo António, à Sé.

Edifício das Merceeiras  [1902]
Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras; Travessa das Merceeiras 
Sobre a porta principal pode ler-se a seguinte inscrição: "Cazas para a habitação dos Merceeiros do Snr. Rey D. Afonso IV e Merceeiras da Snrª Raynha D. Beatris sua mulher Novvamte edificadas pelo favor e ordem da Raynha fidelissima D. Maria I nossa senhora em o Anno de MDCCLXXXV sendo Provedor D. Caetano de Noronha.".
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Data de 1785 a construção dêste prédio, por ordem de D. Maria I. Em 1851 a instituição foi incorporada na Assistência Oficial, e passou a ser dependência do Asilo da Mendicidade: actualmente [1938] está integrada no Ministério do Interior, Direcção Geral da Assistência, fazendo parte do grupo de recolhimentos (e não asilos), e que são ao todo sete: este das "Merceeiras", onde habitam vinte e quatro senhoras de boas famílias de oficiais superiores do Exército, o das Comendadeiras de Avis, no antigo Convento da Encarnação, o das Comendadeiras de Santiago, no antigo Convento de Santos-o-Novo (ambos desanexados arranjos da Administração das Ordens Militares em 17
de Agosto de 1934), o de Lázaro Leitão, a Santa Apolónia, o do Grilo, ao Beato, o de Campolide, fundado em 1931 no prédio n..º 161 desta rua, e o de S. Cristóvão, antigo recolhimento do Amparo
arruinado, e que vai ser demolido.
Entremos uns momentos, com a devida vénia, não perturbar o remanso destas velhinhas.

Edifício das Merceeiras, traseiras  [1902]
Travessa das Merceeiras; Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

A casa é decrépita mas asseada, em seus dois pavimentos, sendo os aposentos independentes — uma casa separada para cada recolhida. Nenhum aspecto de albergue; cada senhora se mantém à sua custa. podendo sair quási todas, só recolhendo para dormir.
Ao todo estas sete casas recolhem 196 senhoras e 70 agregadas (criadas ou parentes de auxilio). A maioria das senhoras recolhidas recebe 105$00 por mês, e outras o  dobro, segundo o rendimentos próprios daquelas instituições.
Deixemo-las em paz. Quero dizer-te ainda que neste edifício, no meado do século passado (em 1845 pelo menos), foi instalada a filial oriental do Liceu Central de Lisboa, cuja sede era na Rua de S. João de Nepomuceno; a filial ocidental era na Casa Pia.
Por trás do prédio corre a Travessa das Merceeiras, sem saída desde 1837, e que morre no Pátio do Marechal, onde, a certa altura, se encontra o muro alto que apoia uma parte do pátio do Limoeiro.

Edifício das Merceeiras  [1945]
Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras; Travessa das Merceeiras 
Afonso IV instituiu numa capela da Sé de Lisboa uma mercearia, com missa cantada diariamente por sua alma e pela Rainha D. Beatriz.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

¹ Afonso IV (Lisboa, 8 de Fevereiro de 1291– Lisboa, 28 de Maio de 1357), apelidado de '''Afonso, o Bravo''', foi o Rei de Portugal e Algarve de 1325 até sua morte. Era um dos filhos do Rei D.Dinis de Portugal e sua esposa Isabel de Aragão — canonizada como Santa Isabel. Casou a 12 de Setembro de 1309 com D. Brites ou Beatriz de Castela, que nasceu em Toro em 1293 e morreu em Lisboa a 25 de Outubro de 1359.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. II, pp. 53-55, 1938.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. VI, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.

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