Saturday, 12 November 2016

Café-Restaurante Tavares Rico

Foi Manuel Tavares o primeiro dono do botequim que fêz afixar o já clássico letreiro: «O dono desta Casa não consente aqui discórdias nem conversacões e opiniões políticas». 


   O Café-Restaurante Tavares — mais singularmente Café Tavares, ou, mais vulgarmente Tavares Rico — tem princípios muito remotos que vamos colher a uma narrativa de Tinop.  O seu fundador, em 1779, com café e bilhares, foi Nicolau Massa, por alcunha o Talão, na Rua Larga de S. Roque [actual Rua da Misericórdia], perto do actual Largo Trindade Coelho. Mudou-se em 1784 para o actual domicílio, na mesma Rua Larga de S. Roque, uma loja que tem agora os n.ºs 35-37, e comunicação com a Rua da Gáveas, n.º 26. Em 1800, o café já estava na posse de Bartolomeu Ansaldo; treze anos depois o dono era José António Mateus; no ano de 1820 pertencia a Baltasar Afonso; e, finalmente, em 1823, ainda conhecido por botequim, entrou Manuel Tavares, que levou na sua companhia o irmão António Tavares, e foi este novo apelido que, definitivamente, se arreigou ao estabelecimento, que, como tal, entrou no domínio do trato e da história citadina.
   Os irmãos Tavares, excêntricos «do mais fino quilate» — apreciação de Tinop —, trajavam sempre de jaqueta e sapatos de ourelo e dirigiam-se aos fregueses, sempre em verso. E o seu café, suspeito de abrigar certos elementos do liberalismo, foi muito perseguido no tempo de D. Miguel.   
   Depois de um tal Pimenta, a casa foi tomada, em 1861, por Vicente Caldeira, o qual, dando sociedade a seu filho, adoptou a firma Vicente Caldeira & F.”, até que, em 1888, por falecimento do fundador, o filho Manuel Caldeira arcou sozinho com a gerência (...)
Vicente Caldeira, logo em 1861, com os grandes lustres, espelhos e doirados, e, mais tarde, o seu filho, que em 1901 ampliou o restaurante com o andar superior, foram os dois maiores empreendedores das profundas transformações que sofreu o velho café, dando-lhe características luxuosas, sem alterar o cunho lisboeta e tradicional.
   O Café Tavares, com a sua boa cozinha, acompanhou toda a aura do romantismo, atraiu as celebridades e elegâncias desse tempo e deu alma e magnificência a época que se lhe seguiu. (...)

Café-Restaurante Tavares [ant. 1909]
Rua da Misericórdia, 37; Rua das Gáveas, 26

Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente
   
   No botequim de Manuel Tavares, como chamaram a principio a essa casa, que era taciturna, tristonha, com uma espécie de quiosque junto à coluna central, e iluminada a azeite de peixe, vendia-se neve no Verão, carapinhadas depois das 11 horas da manhã, e sorvetes de tarde. 
    Está dito e rediito que o que havia de melhor tom, nas principais classe da Sociedade, frequentava com maior ou menor assiduidade, o salão ou os gabinetes reservados do Tavares Rico. E que horas estonteantes de alegria e de amor, se teriam vivido nesses misteriosos compartimentos! Quantas pequenas histórias se contam, e quantas ficaram só no conhecimento dos seus íntimos figurantes! Murmurava-se nos centros da má-língua, que o infante D. Afonso, acompanhado a seu gosto, ceava aqui de quando e quando, com discrição, em certo gabinete da sua preferência. (...)

Café-Restaurante Tavares, c. 1910 e 1940, respectivamente
Rua da Misericórdia, 37; Rua das Gáveas, 26

in Lisboa de Antigamente

    Foi aqui, no Tavares Rico, que germinou a criação dos Vencidos da Vida. O grupo incluía, entre outros, Ramalho Ortigão, Oliveira Martins, Guerra Junqueiro, Lima Mayer, Carlos Lobo de Ávila, Bernardo Pinheiro Correia de Melo (1º Conde de Arnoso) e António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes (9.º conde de Sabugosa). Eça de Queirós integrou o grupo a partir de 1889.

   Antes da primeira Grande Guerra a vida era tranquila e a estabilidade de preços mantinha-se num equilíbrio que não despertava preocupações pelo futuro. Por isso tem interesse a inclusão do recorte deste anuncio publicado em 1908, quando o proprietário do café era Manuel Caldeira:

Café-Restaurante Tavares
Cozinha à Francesa
Mesa redonda
Almoços a 600 réis. Jantares a 800 réis.
Serviço à la carte
Serviço de cozinha até às 2 horas da madrugada. 
  
Café-Restaurante Tavares, interior de um gabinete [c. 1900]
Rua da Misericórdia, 37; Rua das Gáveas, 26

in Lisboa de Antigamente
Café-Restaurante Tavares, salão [c. 1900]
Rua da Misericórdia, 37; Rua das Gáveas, 26

   Os tempos continuaram a rodar, e nem sempre foram propícios a este ramo da indústria. No centro da Baixa apareceram outros restaurantes chiques, mais reclamados, que entraram na  moda. Vieram épocas de crise económica. E, deste somatório de coisas, surgiu a noticia fatal. Um dos mais lidos vespertinos da Capital (Diário Popular, 4-11-1955), sob o titulo Vai desaparecer o Restaurante Tavares, de grandes tradições na vida boémia e galante de Lisboa?. veio confirmar o que andava de boca em boca, dizendo textualmente, logo no primeiro período:
«O velho restaurante Tavares, de tão grandes tradições grandes tradições na vida boémia e galante de Lisboa, vai, segundo parece, encerrar as suas portas — e mudar o ramo de negócio. Com o desaparecimento do Tavares, perde a cidade mais um dos seus característicos e tradicionais lugares de reunião dos antigos literatos e de gente divertida.»
   Não se tendo cumprido os vaticínios proclamados, o Tavares Rico reabriu em 1956 de forma brilhante.No dia seguinte os jornais embandeiraram em arco  ao fazer o noticiário da festa de que recortamos o comentário com que o redactor de O Século (15-1.1956) rematou a sua reportagem:
   «Lisboa nova tem, desde hoje, novamente o Tavares Rico.  E não é exagero pensar que pela encantadora sala vão outra vez passar figuras da sociedade lisbonense, já que não é possível ressuscitar alguns dos que tão bem sabiam conjugar o espírito boémio com a boémia do espírito.»

Café-Restaurante Tavares [c. 1900]
Entrada para os gabinetes reservados pela Rua das Gáveas, 26

Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

   Políticos, jornalistas, escritores, artistas, diplomatas e boémios do espírito e da própria política — que também tem a sua boémiapor aqui passaram, nas fases do jornalismo literário, nos períodos humorístico-sentimentais que caracterizam as revoluções de ideias e de processos. 
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Bibliografia
COSTA, Mário, O Chiado pitoresco e elegante, 1987.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VI, 1938.

1 comment:

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