— Quem a quer da várzea, melancia á faca!
Era assim o pregão saloio, que os saloios sempre ganharam a vida com a barriga de Lisboa — recorda Calderon Dinis. Escarafunchando a terra magnífica que Deus lhes deu, sabiamente a têm aproveitado tirando partido de tudo o que ela lhes dá. Sempre assim foi e noutros tempos eram eles mesmo que, de rua em rua, apregoavam e vendiam as suas couves e alfaces, como as favas e as ervilhas.
Com a saborosa melancia vermelha e fresca que era uma beleza, os saloios corriam meia Lisboa com as suas carroças, a malta a comprar e eles mesmo a parti-las em grossas talhadas, refrescando-se os lisboetas nas tardes quentes, que aquilo foi sempre fruto de Verão.
Estamos a lembrar-nos que, no largo de Cacilhas, onde hoje é parque e estação de autocarros, se fazia o grande mercado da melancia, amontoadas em pirâmides, tal era a quantidade do magnífico fruto!
Vendedeira de melancias no cais da Ribeira Nova |1912| As saborosas e frescas talhadas. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Vem das várzeas nos grandes catraios — lê-se na Illustração portugueza, 1910 —, nos barcos d'agua à riba e nos cais, da Ribeira Velha a Belém, é ver os homens atirando-as com metódica precisão, dos botes para terra como grandes bolas num torneio. Raramente uma cai para gaudio, regalo e refresco da garotada que d'olho alerta espera sempre ganhar alguma coisa nos espectáculos que presenceia.Neste tempo a melancia, nascida nas Várzeas de Alcochete e Ribatejo além, bem regada e linda na sua cama de folhas largas é manjar de todas as mesas; cai na cidade como um chuveiro de balas: expõe-se nas portas dos estabelecimentos frutas onde os ricos vão e aparece aos montões nos mercados. As portas das vendas e dos pequenos Jugares lá estão duas ou três; nas mercearias mostram-se com a designação do preço por quilo como se em vez daquela casca verdenegra, que tanas promessas de frescura contem, tivessem os exteriores vermelhos de queijos flamengos.Mas onde ela tem todo o seu carácter, onde aparece como o anuncio de um grande consolo é na cidade, para os que a não deixam; anunciada no pregão cantarolado:— Quem a quer da várzea, melancia á faca!
Profissões de Antanho: descarga melancias no cais da Ribeira Nova |1912| Uma melancia a voar do barco para o cais. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
O pregão atroa Lisboa por este tempo de calor ardente e as mulheres com as suas gigas a cabeça, tostadas pela soalheira, vão vendendo a mais fresca das frutas, a melancia de coração rubro, que é um alarme e é uma delicia.— Quem a quer da várzea, melancia á faca!
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Bibliografia
DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1970-1974, 1986.
Muito obrigado pela elucidação. Parabéns pelo vosso trabalho.
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