Wednesday, 10 January 2018

As Torres da Estrela

As Torres fazem o encanto místico das cidades que se desentranharam em devoção. Elas, e as chaminés das fábricas, são as espigas altas da seara urbanista. Das chaminés sai fumo; das torres eleva-se o incenso do passado religioso, e, com ele, certa poesia que pelos bairros se dilui. 


As torres da Estrela vêem-se de toda a parte. As ruas convergentes à Praça são enfiamentos perspectivais que o acaso desenhou, ao fundo dos quais, sobre a ramaria dos jardins ou sobre a amálgama do casario da Lapa, se destaca em alvura a silhueta do Zimbório, coroado de lanternim, acolitado na cerebração visual pelas duas torres da frontaria, simétricas e finas, diáconos do bom abade, vestido de baroco.  
A Basílica do Coração de Jesus, obra dos arquitectos da escola de Mafra, foi consagrada em 1789, já no Convento se haviam recolhido as freiras carmelitas de Santo Alberto. O Zimbório é o coroamento audacioso desta mole arquitectónica. Em seu redor, por todos os quadrantes, Lisboa desdobra-se em quadros iluminados. Na sua imponência alcandorada a Basílica é o frontal da mais álacre praça de Lisboa.

Basílica do Sagrado Coração de Jesus (ou da Estrela) |ant. 1913|
Praça da Estrela
Em primeiro as carruagens do antigo Elevador Estrela.Camões extinto em 1913
Marcel Dieulafoy, in Lisboa de Antigamente

Cruz Alta erguida sobre o espelho verde-azul do Tejo, a lupa assestada sobre a grinalda dos parques aristocráticos, sobre o tumulto das docas e cais, sobre as humildes distâncias bairristas. 
Ave-Maria do Ocidente, chega-lhe ao alto a respiração cálida da cidade. 
O monumento, tal a Praça e o Jardim da Estrela, deve este nome — tão lindo como o da Graça e o da Alegria — à vizinhança fronteiriça do Hospital Militar, que fora desde 1571 a 1818 o Convento de Nossa Senhora da Estrela, dos frades de S. Bento, casinha erigida sob uma lomba de olivais. 
A Basílica leva cento e cinquenta anos. A Estrela é quinhentista na designação. 
 Pelo sítio amável deste bairro, hoje dilatado e formoso, passam ainda o capuz de um frade e a sombra do jumentinho que levava os cestos de azeitona dos olivais de S. Bento aos lagares da Horta Navia. 

Basílica do Sagrado Coração de Jesus (ou da Estrela) |ant. 1913|
Praça da Estrela

 M
arcel Dieulafoy, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de Araújo, Legendas de Lisboa, pp. 84-85, 1943.

3 comments:

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