Quero chamar-te a atenção — recorda Norberto de Araújo — para um dos mais curiosos vestígios de casa apalaçada de toda a Lisboa. Trata-se do Palácio dos Almada-Carvalhais, provedores da Casa da India, no Largo do Conde Barão, esquinando para a Rua das Gaivotas, remonta no seu núcleo primitivo, ainda de pé, ao século XVI, por ventura mesmo ao seu começo, e a despeito da trivialidade exterior no conjunto do seu semblante, excepção feita ao aludido núcleo — espécie de torre revestida de pedraria e armoriada — é na Cidade o mais recuado espécime de residência solarenga urbana, se abstrairmos a Casa dos Bicos.
Justamente classificado «imóvel de interesse público» no catálogo dos monumentos nacionais, ele constitui em padrão lisboeta, de reduzidas proporções mas venerando, e, por isso, merecedor de mais larga e actualizada noticia histórica.
As obras de beneficiação e de restauros desde a sua fundação ao século XVIII, depois as transformações e adaptações a inquilinato, deformações de dependências e «amparos» de conservação, sobretudo na segunda metade do século passado [XIX], muito desfiguraram este imóvel. Contudo perduram nele admiráveis vestígios, que bem podiam ser ainda valorizados.
Um fidalgo do ramo segundo dos Almada-Avranches foi o possuidor, e certamente o fundador, desta casa ou casas, à beira do Tejo, no sopé do sítio chamado Outeiro da Boavista. Seria ele Fernão Ruiz casado com uma filha de Bartolomeu Gomes de Almada, «homem fidalgo e honrado do tronco desta geração dos Almadas» (Almadas-Avranches); certo é seu filho Rui Fernandes de Almada habitar estas suas casas em 1551, pelo menos, e haver recebido, em 1668, de D. João III carta de armas igual à do ramo principal dos Almadas-Avranches, com acréscimo de brica, que corresponde a ramo segundo. Este Rui Fernandes teve um filho, Fernão Ruiz de Almada, que foi o 1.º provedor da Casa ela India, cargo que se continuava no primogénito e se transmitia em sucessão.
Palácio Almada-Carvalhais |195-| Largo do Conde Barão, 48-57; Rua das Gaivotas, 1-3 O Corpo do lado Poente, contíguo ao antigo palácio dos Condes Barões de Alvito, avançado do alinhamento, e encostado ao núcleo primitivo, em linha quebrada de três faces, nas quais se rasgam três portas de estabelecimento e várias janelas vulgares, sendo uma apenas de sacada. Judah Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
Digo-te que os vestígios deste Palácio são curiosos; pois subamos a rampa, pelo portal n .º 50, que conduzia ao pátio do Palácio. Vejamos primeiro o que isto tem de interessante e depois me referirei às evoluções da propriedade. Em 1820 ainda aqui morava o citado 1.º Conde de Carvalhais, 9.º Provedor da Casa da India, e que em 1826 foi par do Reino.
A entrada, em rampa, mostra ainda as pilastras e os arcos de cantaria em volta perfeita, com artesonados, em dois tramos completos. À direita, por um formoso arco de volta abatida, abre um delicioso claustro da Renascença , ao fundo do qual sobe a escadaria nobre do Palácio, hoje prédio de arrendamento , indiferente às belezas e grandezas do passado.
Tem o Claustro três faces, adornadas, a do fundo de três arcos, e as laterais de quatro arcos, apoiados a colunas de lindos capitéis lavrados; uma das ordens laterais de arcarias está entaipada com um barracão saliente que as encobre, e a outra está visível, mas a parte do seu interior foi ocupada por uma oficina de imprensa [...]
Queres cousa mais bela, e de gosto arquitectónico mais puro, em pleno Conde Barão industrial?
Voltamos à rampa. Nela segue, em direcção à Garagem [Conde Barão], uma passagem, revestida de curiosos azulejos setecentistas nos dois tramos de abóbada, apoiados em belas pilastras nuas. Consegui saber que foi aqui a cozinha da Casa, no tempo em que o local da Garagem constituía o jardim do Palácio dos Provedores da Casa da India. Este jardim, de que não resta notícia escrita, e ficará apenas a que eu te dou, era guarnecido de algumas estátuas e azulejos, alguns do tipo dos da Bacalhoa (Azeitão), vila onde os Carvalhais tiveram casa sua, na qual se extinguiu o último representante da família.
Ora não quero deixar de te dizer que aqui, onde está a Garagem, existiu a Companhia Nacional Editora — honra da indústria gráfica portuguesa— infelizmente desaparecida.
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, 1947.
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Monumentos histórico, 1947.
idem, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 80-82, 1939.
Parabéns pela publicação.
ReplyDeleteAdriano Mendes
Excelente artigo. Parabéns pelo blog.
ReplyDeleteLi que iria ser transformado em hotel mas continua ao abandono.
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