O Palácio ou Paço das Necessidades, com seus corpos de edifícios na parte Norte, e com sua fachada elegante e discreta, e da qual olhando o Tejo, avança a frontaria da Igreja, é, Dilecto, como observas, de um conjunto gracioso, e, como expressão arquitectónica, muito equilibrado.
Dilecto: o Palácio das Necessidades, como o de Belém constitui uma página viva da história política e realenga dos últimos cem anos. Escuso de te reavivar a memória. Não é indiferentemente que nos quedamos a olhar a sua fachada. Glórias e tragédias, alegrias e dores, confiança e certeza, fausto e penumbra — passaram por ele.
Não temos que o olhar com saudade, mas com um certo respeito comovido: não será do seu tempo aquele que for insensível às cousas do passado.
Deve-se a D. João V o Paço das Necessidades, hoje Palácio Nacional, e sede do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Desde 1607 que existia neste sitio do Alto de Alcântara uma ermidinha da invocação de N.ª Senhora das Necessidades, cuja irmandade foi constituída por marítimos da carreira da Índia. Meio século depois (1659) Pedro Castilho, servidor de D. João IV, comprou umas casas contiguas à Ermida, ampliando o piedoso sacelo [pequeno templo ou santuário] das Necessidades; no meado do século XVIII a Ermida e um largo prazo de terreno da Lapa (ou Cova) da Moura e da Ribeira de Alcântara pertenciam a um descendente daquele Pedro Castilho, Gaspar (ou Baltasar) Pereira Lago de Castilho. Foi a este que o Rei D. João V, que atribuiu a intercessão da Senhora das Necessidades à cura de uma grave doença (1742), comprou terrenos e casas com o tríplice objectivo de erguer uma nova igreja condigna, de edificar um paço real e de construir uma grande casa para os padres da Congregação do Oratório. O arquitecto Caetano Tomás de Sousa traçou o projecto, ficando a Igreja de N.ª Senhora das Necessidades integrada no Paço, e este contiguo ao convento e à sua larga quinta. As obras principiaram logo em 1748 e estariam concluídas em 1750.
Palácio das Necessidades |1908| Largo das Necessidades A Guarda no Palácio das Necessidades após o Regicídio. Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente |
O irmão de D. João V, infante D. Manuel, aventureiro militar da Europa, dado camo pretendente ao trono da Polónia, e que regressara à Pátria em 1784, foi o primeiro morador do novo Paço, ainda que por pouco tempo, e depois o seu irmão D. António. Até D. Maria, porém, os soberanos não residiram senão eventualmente nas Necessidades, servindo este Paço para hospedar príncipes estrangeiros (o príncipe de Gales, depois Jorge I V, por exemplo, e seus irmãos) ou algum infante da Casa de Bragança. D. Maria II é que fez das Necessidades residência habitual, assim como D. Pedro V e D. Estefânia (que nele morreram), D. Manuel II, que no Paço residia quando da revolução de 8 de Outubro de 1910.
Proclamada a República, o Palácio das Necessidades, como outros paços reais, entrou no património da Nação; esteve alguns anos encerrado até que em 1916 para ele se transferiu da ala Nascente da Praça do Comércio o Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Interiormente, nas salas e mesmo nos pátios, foi, em várias épocas, o Palácio beneficiado, restaurado e transformado, nomeadamente em 1836 quando do casamento de D. Maria II com D. Fernando, cujas iniciais subsistiam entrelaçadas em muitos motivos decorativos, e em 1886 quando do casamento de D. Carlos com D. Maria Amélia de Orleans. Pode afirmar-se, porém, que a estrutura do Palácio é a original, pois o Terremoto de 1755 nenhuns danos lhe causou. De 1910 até à data variaram, porém, quási totalmente, as utilizações das salas e câmaras, adaptadas a repartições e gabinetes, sendo o recheio substituído e realizadas algumas transformações decorativas. A capela não tem culto desde 1910 e muitas das suas alfaias e imagens encontram-se no Palácio da Ajuda, em depósito. A antiga «Casa Forte das Necessidades» onde se guardava o «Tesouro», está vazia, havendo sido transferidas as suas preciosidades de ourivesaria para o Museu de Arte Antiga.
Fotografia aérea da zona de Alcântara, vendo-se na esquerda alta, o Palácio e a Tapada das Necessidades |1971| Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
Do antigo Convento da Congregação do Oratório apenas restam silhares de azulejos. Quanto ao Palácio, cujo recheio quási inteiramente desapareceu daqui para outros palácios nacionais, conserva ainda o seu ar palaciano, um certo ambiente austero de beleza fria, e salas que mal fazem lembrar a opulência antiga.
Nota, Dilecto, a torre da antiga Igreja, recuada à esquerda da frontaria do edifício. Parece uma sentinela de Nossa Senhora das Necessidades.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Paços e palácios nacionais, 1946.
ARAÚJO, Norberto de, Inventário de Lisboa: Paços e palácios nacionais, 1946.
idem, Peregrinações em Lisboa, vol. IX, p. 18-19, 1939.
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