Sunday 3 May 2020

A Avenida Faz-se, Sobretudo, Ao Domingo

A Avenida faz-se, sobretudo, ao domingo. 
A burguezia em seguida ás missas mais tardias, até ás quatro em que parte em debandada para o jantar de família; das quatro ás seis o mundo official, aquelle de que se falla, que se cita, apregoado nas gazettas, faz annos como toda a gente, está doente como toda a gente, tem, de vez em quando, a sua dèlivrance  — isto é, dá á luz robustas crianças como toda a gente... que as não dê fracas.
O aspecto do local, á hora fidalga, tem uma certa originalidade. Não se parece com cousa alguma com o que ha lá por fora.  
Incontestavelmente tem mais pittoresco, mais extravagancia, mais ruido, mais animação. 
(CABRAL, Carlos de Moura, Lisboa em Flagrante, 1899)

Avenida da Liberdade [séc. XIX]
A Avenida Faz-se, Sobretudo, Ao Domingo.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Era dia de festa, e a Avenida tomava o lugar do antigo antigo Passeio Público. Mas não apenas nos dias de festa, pois, bem cedo, a Avenida veio substituir o Passeio e «fazer a Avenida», sobretudo aos domingos, tornara-se num hábito lisboeta. Curiosa descrição do domingo lisboeta dá-nos a Ilustração Portugueza de 18 de Novembro de 1912, recordando que, «emquanto o povo vae d'assalto às hortas arrabaldinas ou nas excursões economicas, a meia burguezia invade a Avenida e o Campo Grande».

Avenida da Liberdade [post. 1894]
O povo aguardando pelo inicio do concerto musical junto coreto.
[...] sentam-se nos bancos ouvindo a banda regimental, que relembra com as suas musicas as tardes do Passeio Publico.
Artur Bárcia, in Lisboa de Antigamente

Contra a nova Avenida insurgira-se Ramalho Ortigão que, em 1874, escrevia nas Farpas: «O projecto do boulevard do Rossio ao Campo Grande é de uma concepção bem triste e pretensiosa (...) O boulevard não serve senão para espalhar os maus habitos do café e do trotoir, o amor da ostentação, a ociosidade, o boulevardismo, a cocotice, o luxo pelintra da toilette [Ortigão: 1943]

Avenida da Liberdade [1898]
Comemoração do IV Centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia
[...] com as suas musicas as tardes do Passeio Publico. (...) enquanto os pares e os ranchos desfilam n'esse passo cadenciado e proprio do que já se convencionou chamar: fazer a Avenida.
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Mas fez-se a Avenida — o grande sonho de Rosa Araújo (1840-1893), então presidente da Câmara — , a tal grande alameda arborizada ao estilo do boulevard à francesa, concebida como um prolongamento do Passeio Público. Inaugurada em 1886, a nova Avenida toma o lugar do Passeio, do qual herdara algumas árvores e estatuária e, tal como o Passeio, veio a constituir-se num novo importante espaço de convívio público.

Avenida da Liberdade [1898]
Comemoração do IV Centenário da descoberta do caminho marítimo para a Índia.

Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
JANEIRO, Maria João , Lisboa: histórias e memórias, 2006.
Illustração Portugueza de 18 de Novembro de 1912.

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