Friday, 3 August 2018

Ruas de S. Bento e Poço dos Negros: «Palácio da Flor da Murta»

Seguindo o conselho de Norberto de Araújo, façamos uma curta paragem naquela «serpenteante Rua de S. Bento», pois «vale um poema este palácio de S. Bento: Flor da Murta!


Eram aqui nesta esquina, tal qual hoje, as «casas nobres do Poço dos Negros», integradas no morgadio de Terrugem, dos Fonte Arcada, e que passaram, ainda no século XVII, para os Meneses do ramo Cantanhede, onde ainda se continua. No cunhal do palácio, entre varandas, blasona o escudo esquartelado armoriado dos fidalgos anteriores aos Meneses. Na Flor da Murta se enxerta uma legenda de Lisboa amorosa, cheia de romances frívolos. 

Ruas de S. Bento e Poço dos Negros |séc. XIX|
«Palácio da Flor da Murta»
Notem-se as calhas, ou rails, para uso dos «carros americanos» puxados a muares.
Fotógrafo não identificado. in Lisboa de Antigamente

D. Luísa Clara de Portugal, dos Castelo Melhor, casou com um D. Jorge de Meneses, da Casa da Flor da Murta, e deste varão houve filhos. Era linda, D. Luísa, e dela se enamorou D. João V, esquecido da honra de fidalgo, que a dona, um feitiço volúvel de formosura, por igual vilipendiou. Dos amores nasceu uma menina, D. Maria Rita de Portugal, que foi monja em Santos-o-Novo. Mas a «Flor da Murta», mais nova do que o Rei catorze anos (isto passou-se por 1730) vingou, a seu modo, o marido nos brios do próprio amante real: entregou-se a um jovem ardente e menos orgulhoso, D. Pedro de Bragança, Duque de Lafões, sobrinho do monarca, e destes novos amores nasceu outra menina, que foi D. Ana de Bragança.

Ruas de S. Bento e Poço dos Negros |c. 1945|
«Palácio da Flor da Murta»
Note-se a linha de tracção eléctrica cuja rede foi inaugurada pela Companhia Carris de Ferro de Lisboa, a 31 de Agosto de 1901.
Horácio Novais, in Lisboa de Antigamente

E aí está como neste palácio de S. Bento, hoje retalhado e morto de fidalguias, casarão de muitas memórias ilustres, passa ainda o vulto gentil de Luísa Clara — que o quadro a óleo, existente no palácio, mostra em toda a irradiação da sua beleza.

D. Luísa Clara de Portugal (1702-1779)
« A Flor da Murta»

Dizem os romances que foi com uma flor de poesia popular que o «Magnânimo» conquistou o coração de Luísa Clara. É ainda fantasia em redondilha. O nome florido existia já antes, e a Rua de S. Bento, neste troço, chamou-se mesmo da Flor da Murta, que era divisa da Casa antes de ser o motete da mulher. Mas não importa. Cantemos com D. João V:
Flor da Murta,
raminho de freixo,
deixar de amar-te
é que eu não deixo.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, pp. 74-75, 1943.

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