E pelas ruas os bandos de pernaltas lá vão saltando pela lama, transidos de frio, gru-gru, apanhando o seu carolo com a cana do vendilhão, que apregoa aos quatro ventos é casal de piruns.
Um dos «quadros» que mais emprestavam a
Lisboa o carácter de uma época festiva — como hoje as grandes
iluminações das ruas e das montras — era o tradicional aparecimento dos
vendedores de perus. Com a ajuda de longas canas conduziam e mantinham
os bandos de perus em perfeita disciplina, soltando ao mesmo tempo os
seus ululantes e estridentes pregões:
— Méér-c´ò casál de perús!…
— Perú salôôiô! É sa-lôôiô!!!
— Olha óóó pru da roda vó-óóó-a!
Lisboa prepara n'este momento a festa do Natal. Grandes rebanhos de
perus, enrabeirados de lama, espalham no macadame, as suas manchas
movediças e escuras, de reflexos de aço, adornadas das florescências
brancas e vermelhas dos moncos. Pessoas idóneas pastoreiam esses
galináceos guiando-os a golpes de cana por entre as rodas dos trens e
por entre as pernas dos viandantes. Na compra destes perus convém
escolher os mais teimosos: à força de cana são esses os mais tenros. [1]
Largo de S. Ddomingos |c. 1891| Augusto Bobone, in Lisboa de Antigamente |
Praça dos Restauradores |c. 1891| Augusto Bobone, in Lisboa de Antigamente |
Largo de São Roque, desde 1913, Largo Trindade Coelho |c. 1903-1908| Ao fundo a Calçada do Duque e a Rua Nova de Trindade Charles Chusseau-Flaviens, in Lisboa de Antigamente |
Dias antes do Natal, os saloios apareciam a vender perus pelas ruas da cidade exibindo os bandos de aves mais propriamente pelo largo de S. Domingos, praças da Figueira e do Camões e outros locais por aí. Era ver os gordos perus carecas, os moncos avermelhados ou azuis, consoante seus estados de espírito, tufando-se e abrindo os rabos em leque na vã tentativa de querer imitar os pavões, perdendo embora seu feitio brigão, acobardados, talvez na dúvida dos seus destinos, fazendo ouvir os gluglus repetidos ao primeiro assobio do vendedor para os manter empertigados, atitude que em breve acabaria numa fatal bebedeira de bagaço quando, em ablativos de morte, lhes poupavam carinhosamente o desgosto de assistir ao seu próprio fim, para regalo das jantaradas que sempre comemoraram o nascimento do Menino. [2]
Profissões de Antanho: o vendedor de perusPraça Dom Pedro IV |c. 1891| Augusto Bobone, in Lisboa de Antigamente |
Largo de São Domingos |190-| (Escadinhas Barroca) Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente |
Praça de D. Pedro IV |ant. 1908| Venda ambulante de perus junto à Loja do Povo (Rossio) Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
[1] ORTIGÃO, Ramalho, As Farpas: A religião e a arte, p. 171, 1888.
[2] DINIS, Calderon, Tipos e factos da Lisboa do meu tempo: 1900-1974, p. 181, 1974.
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