Sunday, 15 April 2018

Bairro Azul

Começou por escolher o bairro onde mais gostaria de morar. Pensou em vários, e às suas preferências nunca era alheia a recordação dos tempos, ainda tão próximos, em que fora criada de servir. Gostaria, por exemplo, de ir pôr casa no Bairro Azul, só para «fazer ver» [...]¹


Estando embora em presença de uma Arquitectura civil, o Bairro Azul — Ruas Fialho de Almeida, Ramalho Ortigão e Avenida Ressano Garcia — constitui um conjunto arquitectónico que se reveste de uma homogeneidade ímpar, datado da década de 30 do Século XX com prédios dotados de esquerdo-direito ao gosto Art Deco e burguês, destinado a servir uma classe média que culminaria a sua ascensão no período salazarista, e que se procurava rodear de algum luxo e dignidade.

Rua Marquês de Fronteira |1967|
Edifícios do Bairro Azul; esta designação devia-se à aparente  «mancha azul» formada pela cor das persianas, das portas e das caixilharias.
Artur Bastos, in Lisboa de Antigamente

O ângulo estranho do plano do bairro resultava do desenho de Cristino da Silva para uma vasta urbanização inicial que, cerca de 1930, deveria ter sido o remate do prolongamento da Avenida da Liberdade. Devia apresentar-se com arruamentos em simetria, nos dois lados do Parque Eduardo VII. Contudo, o bairro ficou isolado, pois o restante projecto não se realizou, repetindo-se a vocação lisboeta para os tecidos incompletos e para a justaposição de bairros de origens diversas, característicos do início do Séc. XX. Trata-se, ainda assim, de um projecto e de uma ideia subjacente de Cidade.

Panorâmica sobre o Bairro Azul e zonas circundantes |c. 1950|
Av. António Augusto de Aguiar
Edifícios do Bairro Azul; esta designação devia-se à aparente ‘mancha azul’ formada pela cor das persianas, das portas e das caixilharias.
Mário de Oliveira, in Lisboa de Antigamente

Apresenta-se com uma hierarquia estabelecida e está dotado de aparatosos pórticos de entrada no Bairro. O seu isolamento apenas lhe veio confirmar a sua integridade e a sua autenticidade, patente no grande enriquecimento formal de fachadas e átrios de entrada, ganhando simplicidade formal ou opulência consoante a categoria social dos espaços o ditava. Baixos-relevos em estuque ou cimento, painéis policromados de mosaico cerâmico, ornatos salientes, pilastras e frisos, balaustradas, frontões e alpendres são motivos que aparecem com abundância neste vocabulário decorativo, de leitura complexa.

Avenida Ressano Garcia |1935|
Ressano Garcia (1847–1911) que enquanto engenheiro da CML foi responsável pela expansão de Lisboa para norte, a partir do eixo da Avenida da Liberdade com o projecto das Avenidas Novas integrou a toponímia de Lisboa ainda em vida, no ano de 1897, na artéria que hoje conhecemos como Avenida da República e, depois, no ano de 1929, regressou para uma Avenida no Bairro Azul.
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

Tratando-se de um conjunto particularmente notável quanto à sua Arquitectura e aos motivos decorativos nela integrados, faz sentido classificar o conjunto com estas características estilísticas, pois manteve uma relação de sentido com os seus moradores, uma relação de autenticidade e integridade, o que se veio a verificar até à actualidade. É de realçar a autenticidade que o conjunto manteve ao longo dos tempos, pois é o conjunto, patente nas suas íntimas relações estilísticas que se mantiveram intactas e podem ser observadas.²

Bairro Azul |194-|
Perspectiva tomada da Rua Marquês de Fronteira vendo-se Avenida Ressano Garcia, ao centro, e a Av. António Augusto de Aguiar à dir..
Amadeu Ferrari, 
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
¹ ANÍBAL Nazaré, Maria, uma Sua Criada. capa e ilust. Stuart. Lisboa, 1958.
² Carlos Cabaço e João Reis, lisboapatrimoniocultural.pt

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