Sunday, 17 August 2025

Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos da Divina Providência

Aqui temos o edifício, novo, do Conservatório Nacional (de Música e Teatro). Assenta, com transformação radical arquitectónica do exterior, e com alterações radicais do interior, no que foi o Convento de S. Caetano de Thiene, dos frades teatinos ou «caetanos» que deram o nome à Rua.
Os clérigos regulares de S. Caetano — recorda  Norberto de Araújo a quem vamos sempre seguindo — tinham a invocação da Divina Providência, e instalaram-se em Portugal em 1650, primeiramente num hospícios que existiu no local onde se ergueu a actual Igreja dos Mártires, e depois neste sítio, ainda como hospício, visto não terem obtido logo licença régia de D. João IV para erguerem Casa conventual; já «eram demais» os conventos em Lisboa, confessava o Rei.

Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos |1918|
Rua dos Caetanos, 29
Perspectiva tomada da Travessa dos Inglesinhos.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

Igreja do Hospício, do Bairro Alto, foi inaugurada em 1653, havendo antes sido comprados para a Ordem casas, chãos e hortas que, pertencentes certo fidalgo (não sei quem ele tivesse sido) chegavam até à Rua Formosa [hoje R. de O Século]. Em 1661 os clérigos de qualidade e muito saber, obtiveram a almejada licença régia para converterem o Hospício em Convento, e vinte anos depois D. Pedro II mais terrenos lhes concedeu, para alargarem a Casa e a engrandecer; o novo Convento foi inaugurado em 1698. O Terramoto quási deu cabo do edifício, mas um Teatino ilustre, o Padre D. Manuel Caetano de Sousa, fê-lo reedificar à sua custa, voltando os religiosos, que se tinham ido albergar a uma casa que possuíam no Campo Grande, aos «Caetanos» em 1757.
Cabe aqui dizer que o introdutor desta Ordem em Portugal foi o padre napolitano António Ardizoni Spínola; neste Convento da Divina Providência viveram e floresceram clérigos caetanos notáveis, aos quais muito deveram as letras: D. António e D. Manuel Caetano de Sousa, D. José Barbosa, o insigne Rafael Bluteau, D. Tomás Caetano do Bem, para outros não citar.
O Real Conservatório não teve, em cultura, maus alicerces. Já em 1811 se instalava no Convento a Real Academia de Desenho e de Arquitectura Civil — talvez o germe da Escola das Belas Artes.
No tempo das guerras civis estiveram neste edifício aquarteladas as tropas miguelistas, e, depois, no inicio do regime liberal, uma companhia da Guarda Municipal.


Conservatório Nacional |1059|
Rua dos Caetanos, 29
Fernando Jesus Matias, in Lisboa de Antigamente
Conservatório Nacional |1929-04-10|
Rua dos Caetanos, 29
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente





















Ficaste, Dilecto, alguma cousa sabendo do «casco» material e cultural desta Casa. Como passou isto a Conservatório não fujo a recordar-te. 
Há um século [por volta de 1838], precisamente, o Teatro português caíra em profunda decadência, mas menor e menos grave do que a actual — desorientadora! — , porque em boa verdade o Teatro nos séculos anteriores ao Conservatório Real não passara de tentativas, e no nosso tempo — do século passado [XIX] para o actual — houve bom teatro ... e já não o há.
O insigne Visconde de Almeida Garrett num célebre relatório à Rainha D. Maria II pintou com sinceridade o lamentoso quadro «da decadência do teatro», e pela força da compreensão superior de Passos Manuel — criador de tanta instituição! — foi, em 15 de Novembro de 1836, fundado o Conservatório de Arte Dramática, no qual se incorporou o Conservatório de Música , estabelecido no ano anterior na Casa Pia; a Inspecção Geral dos Teatros foi fundada na mesma data.
Em 12 de Janeiro de 1837 o edifício dos Caetanos foi destinado a sede do Conservatório, pois a Ordem religiosa, como todas, fora extinta em 1834 (havia já então nos Caetanos apenas três velhos clérigos) . E desde então o Conservatório, no qual a arte musical gradualmente tomou natural predomínio sobre a arte dramática, nunca mais daqui saiu.


Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos |1968|
Rua dos Caetanos com a  R. João Pereira da Rosa (antiga Cç. dos Caetanos).
Defronte do Conservatório levanta-se o Palácio Almeida Araújo, com seu portão armoriado e pátio nobre. [Araújo: 1938]
Armando Serôdio,  in Lisboa de Antigamente

Dilecto, podemos entrar. Observa, antes, o exterior arquitectónico do edifício, que faz ângulo na Rua e Calçada dos Caetanos [hoje  R. João Pereira da Rosa], muito ao gosto italiano, e com certa beleza, na exuberância de cantaria e dos lavores , nas suas janelas rasgadas e no seu pórtico principal sóbrio e elegante.
As obras de adaptação vieram do século passado, mas pode dizer-se que se intensificaram desde 1911; por essa época foi nomeado Inspector do Conservatório o Dr. Júlio Danta, que, com alguns pequenos interregnos, durante os quais ocupou o lugar de Director o professor Viana da Mota, aqui exerceu as suas funções até 1936. Extinto o lugar de Inspector, Viana da Mota ficou como Director único (secção de música e de teatro), e desde Agosto de 1938, pela circunstância daquele artista e professor haver atingido o limite de idade legal, passou a Director o professor Ivo Cruz que se afirmou, no acto da sua posse, capaz de levar a cabo uma reforma ajustada às exigências deste estabelecimento de ensino.

Conservatório Nacional, Salão Nobre |1926|
Rua dos Caetanos, 29
Ao longo dos seus mais de 180 anos de existência, a Escola de Música do Conservatório Nacional sempre formou músicos e apresentou em concerto os seus alunos. 
Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente

Mas dêmos uns passos pelo edifício; como vês, o aspecto interior é o característico dos estabelecimentos de ensino: frio, simétrico, higiénico, claro. O que havia de representativo do antigo Convento — desapareceu; a Igreja foi demolida em 1912.
O Salão de concertos e conferências do Conservatório data de 1881; possuí um restrito interesse, com sua galeria, sua tribuna doirada, as pinturas do tecto ― uma alegoria e quatro medalhões ― do pincel de Columbano, obra que o excelso artista repudiava. As decorações são de Eugénio Cotrin.
Quanto a mim ―  e tu vais concordar ―  o mais interessante que possuí o interior do Conservatório novo (cujas obras foram durante muitos anos dirigidas pelo engenheiro Veiga da Cunha), são estes «Passos Perdidos» da parte da Secção de Teatro.
É uma iniciativa feliz, como tanta , do Dr. Júlio Dantas ( a quem o Conservatório bastante deve), obra começada a realizar em 1915 e só concluída em 1930.
Vamos ver com atenção. Neste corredor «nobre», onde se rasgam portas de aulas engrinaldadas e sobrepujadas de azulejos no estilo de setecentos num conjunto um pouco teatral mas que num Conservatório de Teatro não é defeito as paredes são guarnecidas a todo o longo de silhares de panos de azulejos, na cor clássica, com assuntos e figuras do teatro português, recortados nas cimeiras.
Vê tu, Dilecto, como isto é belo, apesar de moderno (quero dizer: sem a graça subjectiva da cerâmica), e pensa quantos amigos de Lisboa do teatro e da arte desconhecem estes « Passos Perdidos», como eu lhes chamo, e tu toleras.
E deixemos o Conservatório Nacional, que o tempo voa.

Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos |c. 1910|
Rua dos Caetanos, 29
O primeiro prédio à dir. é o primitivo Conservatório Nacional, fund. em 1836.
Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente

N.B. Passaram pelo Conservatório Nacional nomes incontornáveis do panorama literário e teatral português, como D. João da Câmara, Maria Matos, Lucinda do Carmo e Assis Pacheco no quadro dos docentes, e, enquanto alunos, o Conservatório deu à cena teatral portuguesa artistas como Maria Lalande, Irene Isidro, Eunice Muñoz, Maria Barroso, João Villaret e Ruy de Carvalho, entre muitos outros. [+ info: https://www.emcn.edu.pt]
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VI, pp. 36-40, 1938.

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