Aqui temos o edifício, novo, do Conservatório Nacional (de Música e Teatro). Assenta, com transformação radical arquitectónica do exterior, e com alterações radicais do interior, no que foi o Convento de S. Caetano de Thiene, dos frades teatinos ou «caetanos» que deram o nome à Rua.
Os clérigos regulares de S. Caetano — recorda Norberto de Araújo a quem vamos sempre seguindo — tinham a invocação da Divina Providência, e instalaram-se em Portugal em 1650, primeiramente num hospícios que existiu no local onde se ergueu a actual Igreja dos Mártires, e depois neste sítio, ainda como hospício, visto não terem obtido logo licença régia de D. João IV para erguerem Casa conventual; já «eram demais» os conventos em Lisboa, confessava o Rei.
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Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos |1918| Rua dos Caetanos, 29 Perspectiva tomada da Travessa dos Inglesinhos. Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
A Igreja do Hospício, do Bairro Alto, foi inaugurada em 1653, havendo antes sido comprados para a Ordem casas, chãos e hortas que, pertencentes certo fidalgo (não sei quem ele tivesse sido) chegavam até à Rua Formosa [hoje R. de O Século]. Em 1661 os clérigos de qualidade e muito saber, obtiveram a almejada licença régia para converterem o Hospício em Convento, e vinte anos depois D. Pedro II mais terrenos lhes concedeu, para alargarem a Casa e a engrandecer; o novo Convento foi inaugurado em 1698. O Terramoto quási deu cabo do edifício, mas um Teatino ilustre, o Padre D. Manuel Caetano de Sousa, fê-lo reedificar à sua custa, voltando os religiosos, que se tinham ido albergar a uma casa que possuíam no Campo Grande, aos «Caetanos» em 1757.Cabe aqui dizer que o introdutor desta Ordem em Portugal foi o padre napolitano António Ardizoni Spínola; neste Convento da Divina Providência viveram e floresceram clérigos caetanos notáveis, aos quais muito deveram as letras: D. António e D. Manuel Caetano de Sousa, D. José Barbosa, o insigne Rafael Bluteau, D. Tomás Caetano do Bem, para outros não citar.O Real Conservatório não teve, em cultura, maus alicerces. Já em 1811 se instalava no Convento a Real Academia de Desenho e de Arquitectura Civil — talvez o germe da Escola das Belas Artes.No tempo das guerras civis estiveram neste edifício aquarteladas as tropas miguelistas, e, depois, no inicio do regime liberal, uma companhia da Guarda Municipal.
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Conservatório Nacional |1059| Rua dos Caetanos, 29 Fernando Jesus Matias, in Lisboa de Antigamente |
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Conservatório Nacional |1929-04-10| Rua dos Caetanos, 29 Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Há um século [por volta de 1838], precisamente, o Teatro português caíra em profunda decadência, mas menor e menos grave do que a actual — desorientadora! — , porque em boa verdade o Teatro nos séculos anteriores ao Conservatório Real não passara de tentativas, e no nosso tempo — do século passado [XIX] para o actual — houve bom teatro ... e já não o há.O insigne Visconde de Almeida Garrett num célebre relatório à Rainha D. Maria II pintou com sinceridade o lamentoso quadro «da decadência do teatro», e pela força da compreensão superior de Passos Manuel — criador de tanta instituição! — foi, em 15 de Novembro de 1836, fundado o Conservatório de Arte Dramática, no qual se incorporou o Conservatório de Música , estabelecido no ano anterior na Casa Pia; a Inspecção Geral dos Teatros foi fundada na mesma data.Em 12 de Janeiro de 1837 o edifício dos Caetanos foi destinado a sede do Conservatório, pois a Ordem religiosa, como todas, fora extinta em 1834 (havia já então nos Caetanos apenas três velhos clérigos) . E desde então o Conservatório, no qual a arte musical gradualmente tomou natural predomínio sobre a arte dramática, nunca mais daqui saiu.
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Conservatório Nacional que foi Convento dos Caetanos |1968| Rua dos Caetanos com a R. João Pereira da Rosa (antiga Cç. dos Caetanos). Defronte do Conservatório levanta-se o Palácio Almeida Araújo, com seu portão armoriado e pátio nobre. [Araújo: 1938] Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
Dilecto, podemos entrar. Observa, antes, o exterior arquitectónico do edifício, que faz ângulo na Rua e Calçada dos Caetanos [hoje R. João Pereira da Rosa], muito ao gosto italiano, e com certa beleza, na exuberância de cantaria e dos lavores , nas suas janelas rasgadas e no seu pórtico principal sóbrio e elegante.
As obras de adaptação vieram do século passado, mas pode dizer-se que se intensificaram desde 1911; por essa época foi nomeado Inspector do Conservatório o Dr. Júlio Danta, que, com alguns pequenos interregnos, durante os quais ocupou o lugar de Director o professor Viana da Mota, aqui exerceu as suas funções até 1936. Extinto o lugar de Inspector, Viana da Mota ficou como Director único (secção de música e de teatro), e desde Agosto de 1938, pela circunstância daquele artista e professor haver atingido o limite de idade legal, passou a Director o professor Ivo Cruz que se afirmou, no acto da sua posse, capaz de levar a cabo uma reforma ajustada às exigências deste estabelecimento de ensino.
Mas dêmos uns passos pelo edifício; como vês, o aspecto interior é o característico dos estabelecimentos de ensino: frio, simétrico, higiénico, claro. O que havia de representativo do antigo Convento — desapareceu; a Igreja foi demolida em 1912.
O Salão de concertos e conferências do Conservatório data de 1881; possuí um restrito interesse, com sua galeria, sua tribuna doirada, as pinturas do tecto ― uma alegoria e quatro medalhões ― do pincel de Columbano, obra que o excelso artista repudiava. As decorações são de Eugénio Cotrin.
Quanto a mim ― e tu vais concordar ― o mais interessante que possuí o interior do Conservatório novo (cujas obras foram durante muitos anos dirigidas pelo engenheiro Veiga da Cunha), são estes «Passos Perdidos» da parte da Secção de Teatro.
É uma iniciativa feliz, como tanta , do Dr. Júlio Dantas ( a quem o Conservatório bastante deve), obra começada a realizar em 1915 e só concluída em 1930.
Vamos ver com atenção. Neste corredor «nobre», onde se rasgam portas de aulas engrinaldadas e sobrepujadas de azulejos no estilo de setecentos num conjunto um pouco teatral mas que num Conservatório de Teatro não é defeito as paredes são guarnecidas a todo o longo de silhares de panos de azulejos, na cor clássica, com assuntos e figuras do teatro português, recortados nas cimeiras.
Vê tu, Dilecto, como isto é belo, apesar de moderno (quero dizer: sem a graça subjectiva da cerâmica), e pensa quantos amigos de Lisboa do teatro e da arte desconhecem estes « Passos Perdidos», como eu lhes chamo, e tu toleras.
E deixemos o Conservatório Nacional, que o tempo voa.
N.B. Passaram pelo Conservatório Nacional nomes incontornáveis do panorama literário e teatral português, como D. João da Câmara, Maria Matos, Lucinda do Carmo e Assis Pacheco no quadro dos docentes, e, enquanto alunos, o Conservatório deu à cena teatral portuguesa artistas como Maria Lalande, Irene Isidro, Eunice Muñoz, Maria Barroso, João Villaret e Ruy de Carvalho, entre muitos outros. [+ info: https://www.emcn.edu.pt]
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. VI, pp. 36-40, 1938.
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