Maravilhas pequeninas do encanto de Lisboa — e que não chegam a ser maravilha nenhuma — são estas torres sineiras das ermidas, pouco mais que um nicho, e que se topam por aqui e por ali, às vezes já sem sinos, sem ermida, sem função. Parece terem ficado por esquecimento.
Elas
foram, na sua nudez estática, a voz dos templos minúsculos, e, ainda
hoje, quando soam, é como se fossem badaladas num bairro de bonecas. Há-as por toda a parte antiga da cidade, ligadas às tradições devotas. Cada uma delas tem uma lenda ou uma tradição. Tocaram nas procissões e chamaram para as romarias.
Esta de S. Crispim — é apenas um apontamento, uma nota fugitiva, quase
imperceptível, nas escadinhas que sobem de S. Mamede ao Milagre de Santo
António. As coisas grandes fazem a crónica de Lisboa; as pequeninas são a sua iluminura.
Aqui nas Escadinhas, no ângulo reentrante, à direita, logo adiante de S. Patrício, existia, por 1560, a ermida velha de S. Crispim e S. Crispiniano, da Irmandade dos Sapateiros, templozito todo «cosido de oiro», e que, arruinado pelo Terramoto, durou ainda até 1760. Levantou-se, depois, a Igreja de S. Crispim, na Rua de S. Mamede — dona de sineta. A sineta de S. Crispim!
Pois S. Crispim não podia passar sem uma lenda. Ela diz que certa mulherzinha cristã, do tempo dos mouros, e quando foi do Cerco, se entreteve, por ardil, a atirar maçãs e castanhas aos sarracenos que se recolhiam â almedina, no intuito de os demorar e serem, assim, menos na defesa. Mais tarde uma Catarina Fernandes, patriota dos quatro costados, e em memória do facto, doou em testamento umas suas casas junto à ermida, para que, em véspera de S. Crispim, de ali se atirassem ao rapazio castanhas e maçãs. Eis uma comemoração bizarra.
E assim se fez durante séculos e se fazia ainda no século passado.
Tudo isto nos é recordado pela torrinha sineira, com a sua cruz, a sua corda, a sua janela gradeada, o seu ar de ingenuidade, na evocação da algazarra do rapazio rebolando atrás das camoesas — em véspera da festa de S. Crispim.
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Legendas de Lisboa, pp. 52-53, 1944.
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