«Mais adiante e à dir., [da Pç. do Areeiro] a Perna de Pau,
um dos sítios mais frequentados das hortas alfacinhas, com o seu
registo de azulejos embebido na fachada da casa, a sua nora gemedora e o
seu panorama característico de arrabalde lisboeta, onde predominam o
olival e o verde claro das terras de regadio.
Este local de tradições de boémia e estúrdia de há 50 anos, nele se têm feito desgarradas à guitarra e esperas de touros, com todo o pitoresco destes folguedos.» ¹
Este local de tradições de boémia e estúrdia de há 50 anos, nele se têm feito desgarradas à guitarra e esperas de touros, com todo o pitoresco destes folguedos.» ¹
« Diz uma tradição que nós mesmos colhemos da boca de uma vizinha da Orta, que o Perna de Pau fôra um antigo dono ou rendeiro do casal. Uma sexagenária que ajudava à cozinha nos dias de grande concorrência, quando as nacionais «pescadinhas de rabo na bôca» chiavam toda a tarde na sertã, foi quem nos esboçou a personagem do quinteiro, que ela aliás não conhecera, a quem um desastre esmagara a perna, figura humilde e apagada que a Fatalidade celebrizou, perpetuando a perna que não era dele.
Retiro Perna de Pau junto ao apeadeiro do Areeiro na antiga Estrada de Sacavém [c. 1916] Esta afamada casa de pasto situava-se no actual Largo Cristóvão Aires, perpendicular à Rua Gilhermina Suggia. Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente |
A nossa informadora, estamos agora em crer, fez uma lamentável confusão de sexos. Não se trata de um quinteiro mas de uma quinteira, não de um sinistrado mas de uma sinistrada. Quem, segundo a outra versão, mais certa, deu nome à saudosa Orta da estrada de Sacavém, foi a sua mesma proprietária, a obesa Gertrudes, que em 1833, geria aquela locanda dos subúrbios. E a perna perdeu-a ela por via de um tiro de escopeta. Foi o caso que a Gertrudes era afeiçoada aos liberais, e quando as tropas miguelistas do Marechal Bourmont se preparavam para atacar as barreiras da cidade onde os de D. Pedro já estavam, um soldado realista, de passagem pela orta veio pedir uma sede de água à «malhada». A Gertrudes negou-lha. O miliciano era assomadiço. Pôs a arma à cara, e disparou. O tiro partiu e a bala cravou-se numa das pernas da quinteira. Tiveram de lha amputar, e mais tarde uma perna de pau veio substituí-la. Tal é a história.
Os anos rodaram; a identidade da gorda Gertrudes perdeu-se; a orta acabou com os seus «bródios» feriais, mas a perna permaneceu.» ²
Retiro Perna de Pau na antiga Estrada de Sacavém [1923-02-14] A caminho do Perna de Pau na quarta-feira de cinzas. C. Salgado, in Lisboa de Antigamente |
Retiro Perna de Pau na antiga Estrada de Sacavém [1923-02-14] Abancados no caramanchão clássico gozando a quarta-feira de cinzas quarta-feira de cinzas. C. Salgado, in Lisboa de Antigamente |
Nas suas «Farpas», o erudito escritor Ramalho Ortigão diz, a propósito: «A «Perna de Pau», o restaurante célebre, bem conhecido de todos os estômagos com tendências bucólicas, impelidos pela nostalgia das hortas para fora de portas no tempo do tomate — organiza com os primores da estação, a nova lista dos seus acepipes. A talhe de foice, apresenta-se uma apetitosa ementa, da autoria de habilidosos artistas comensais:
Consta, igualmente, que as pescadinhas de rabo na boca, ornamentadas com raminhos de salsa, acompanhadas de salada de alface, eram do melhor que se comia em Lisboa. Diz-se, também, que entre os seus frequentadores, se encontravam elementos do grupo dos «Vencidos da Vida» e o pintor José Malhoa. Depois de ter passado por mais uns quantos proprietários, um mandado judicial determinou o seu encerramento c. 1930.
Sopa de marisco será
O que primeiro comerá;
E logo em seguida virão
Bons pasteis de camarão;
Emborque-lhe: o branco vinho
Que o Monteiro dá, amiguinho.
Algum frango cm cabidela
E pr'a apanhar a piela
Regue'o co'a pinga danada
Que antes da vitela assada
O cidadão tem provado.
Vem sobremesa com ralé
Bebe-se logo o café,
E, se mal jantado ficar.
Vá àquela parte cear.
Perna de Pau, 1 de Junho de 1912.
Consta, igualmente, que as pescadinhas de rabo na boca, ornamentadas com raminhos de salsa, acompanhadas de salada de alface, eram do melhor que se comia em Lisboa. Diz-se, também, que entre os seus frequentadores, se encontravam elementos do grupo dos «Vencidos da Vida» e o pintor José Malhoa. Depois de ter passado por mais uns quantos proprietários, um mandado judicial determinou o seu encerramento c. 1930.
Passagem de nível na estrada de Sacavém, ao Areeiro, perto do retiro A Perna de Pau [194-] A Estr. de Sacavém tinha seu começo no cunhal da Igreja de Arroios, onde se lia o respectivo letreiro municipal, posteriormente substituído por Rua Alves Torgo (1925), e estendia-se até Sacavém- Pelo edital de15/03/1956, este troço, entre a Avenida Almirante Gago Coutinho e a Linha do Caminho de Ferro de Cintura, passou a designar-se Rua Agostinho Lourenço. Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente |
Bibliografia
¹ PROENÇA, Raúl, Guia de Portugal, Lisboa e arredores, p. 266, 1923.
² SEQUEIRA, Gustavo de Matos, MACEDO, Luiz Pastor de, A Nossa Lisboa-Novidades Antigas Dadas ao Público, p. 46, 1940.
² SEQUEIRA, Gustavo de Matos, MACEDO, Luiz Pastor de, A Nossa Lisboa-Novidades Antigas Dadas ao Público, p. 46, 1940.
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ReplyDeletewaiting for your next post thank you once again.
Bom dia. A Gertudres da Perna de Pau, faleceu em 28.11.1879, tendo a sua morte sido noticiada a nivel local.
ReplyDeleteBom dia. Estou a recolher imagens desta zon. Será possivel enviar-me as fotos deste Post?
ReplyDeleteAgradeço.
Cumprimentos,
Jorge Pacheco
Bom dia
ReplyDeleteFrancisco Paulo Quintino, meu avô, era o Perna-de-Pau. Tinha quintas e areeiros aliará os lados do aeroporto. Conheci a minha avó e bisavó maternas, que ainda moravam no Pote d’Água. Dizia a minha mãe, que a casa deles foi a primeira a ter uma assoalhada, quando era pequenina. O Perna-de-Pau era um homem e tinha uma força extraordinária. Segundo a minha mãe, morreu por ter levado uma injeção de penicilina a que era alérgico e, tendo enlouquecido, “rebentou com ele” dentro de uma “camisa de forças”.
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