O «Café Royal» tem boa situação na Praça, entre tabacarias que se distinguem — tal as do Rossio — pela profusão de revistas e jornais estrangeiros; não tem história recuada. Foi fundado em 1906[1904] pelos donos do Cafe Central da Calçada do Carmo (...)
Era neste Café-Restaurante que costumava almoçar nos últimos anos da sua vida, sempre acompanhado de sua espôsa, o pintor Columbano.¹
O Café Royal — recorda M. Tavares Dias na sua Lisboa Desaparecida — constitui sozinho uma página importante da história do Cais do Sodré. Em estampas oitocentistas o gaveto nascente da Praça Duque da Terceira com a Rua do Alecrim é ainda morada do alfaiate Rego. Como de costume, inscrições do toldo e da fachada exibem publicidade em inglês: Rego Tailor.
Café Royal |c. 1912| Praça Duque da Terceira e Rua do Alecrim (Hotel Bragança); Rua Bernardino Costa (dir.) Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente |
O estabelecimento foi trespassado em 1902, adquirido por um brasileiro de torna-viagem que ali pretendia instalar um café elegante. Esmerou-se nas decorações exteriores, encomendando a J. Bonnadove desenhos vários, alusivos aos prazeres da gastronomia e da boémia. A partir deles foram estampados belos painéis de azulejo para enquadramento das portas e embelezamento das fachadas. Apeados inteiros na altura em que o café encerrou, esses azulejos versavam sete temas distintos, cujo levantamento aqui deixo a partir de fotografias e outros documentos da época.
Café Royal |1958| Painel (central) de azulejos assinados por J. Bonnadove Armando Serôdio, in L.A. |
Painel central sobre a praça: publicidade à Água Castello (figura feminina exibindo uma garrafa) [vd. 2ª foto]. Painel lateral nascente, sobre a praça: piquenique campestre com quatro convivas. Painel lateral poente sobre a praça: interior de café (três homens à mesa). Painel poente tornejando para a Rua do Alecrim: cena de brinde com champanhe; várias figuras à mesa (uma delas, de cálice erguido, ocupava o friso vertical que constituía o gaveto do quarteirão) [vd. 3ª foto]. Painéis pequenos virados para a Rua do Alecrim: dois com motivos campestres e, ao centro, o «painel do caçador» (que teria sido inspirado pelo poeta Bulhão Pato).
A tempos espaçados estiveram inteiramente cobertos os dois painéis, à
esquerda da entrada, pois desse lado instalara-se a tabacaria do café
com as suas vitrinas repletas de estampas e de postais. Os desenhos
acompanhavam quase toda a altura da fachada do café (piso térreo do
edifício), começando a cerca de um metro do solo. Todos estavam
enquadrados por molduras em relevo com motivos arte-nova, cuja
policromia contrastava com o azul ferrete dos motivos principais.
Café Royal |1958| Painel de azulejos no gaveto do quarteirão assinados por J. Bonnadove Armando Serôdio, in L.A. |
Os interiores também eram modern-style (mesas monogramadas e espelhos debruados a ouro), pelo que a casa inaugurou no pino da moda em artes decorativas. Nesse ano de 1904 o Café Royal adivinhava-se futuro centro de muitas e ilustres tertúlias. Alguns meses após a fundação já o proprietário inicial o tinha em praça para trespasse por preço disso condigno, encontrando imediatamente muitos colegas interessados. O café seria então — 1905 — adquirido pela família Blanco, em cujas mãos se manteve até 1959, ano do encerramento. Entre estas duas datas um mundo de luzes cintilou em volta das suas mesas. Na lista dos clientes do Royal poder-se-ão apontar, entre muitos outros, Columbano e Raphael Bordallo Pinheiro, Camilo Pessanha, Mário de Sá-Carneiro. Fernando Pessoa. Almada Negreiros, António Botto, Gago Coutinho, Reinaldo Ferreira (Reporter X), Armando Portela, Rocha Martins, Cunha Leal, Lopes Graça. Luiz Pacheco, Helder Macedo, Virgílio Martinho. António José Forte, Ernesto Sampaio, Mário Cesariny e Mário Domingues.
Foi este último escritor, conhecedor do café desde a segunda década do século [XX], quem fez a elegia da casa num panfleto publicado pouco antes do encerramento: «Conheci naquele aconchegado café tantos tipos humanos, presenciei tanto drama, escutei tanta confidência. lidei com gente tão fraternal e, por vezes, com patifes. escroques internacionais, mal disfarçados espiões que se acotovelavam com ingleses gelados e rígidos por fora e sentimentais por dentro, holandeses saudáveis, americanos mal-educados mas good-fellows; impregnei-me de tanta humanidade, armei-me de tanta compreensão e tolerância que considero o Royal o maior tesouro espiritual da minha vida.» Estas palavras de homenagem reflectem bem as múltiplas faces do mundo que, entre as duas guerras, desaguava no Cais do Sodré, encaminhando os passos para o seu principal pólo de vida: as mesas do célebre café.²
Café Royal |c. 1910| Praça Duque da Terceira; Rua Bernardino Costa (dir.) Joshua Benoliel, in Lisboa de Antigamente |
N.B. No próximo artigo — e ainda a propósito deste curioso café — contaremos uma história picaresca em que contracenam o freguês «exigente», o empregado de mesa — um tal de Chico —, um cozinheiro pouco zeloso e ainda... um bife. A não perder.
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, p.39, 1939.
² DIAS, Marina Tavares, Lisboa Desaparecida, vol. 6, pp. 179-184, 1989.
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