Eis-nos, agora, diante da Igreja de N. Senhora da Saúde, a da famosa procissão que constituía um dos encantos populares religiosos de Lisboa do século passado [XIX], e que perdurou até à República.
Neste sítio se elevava no século XVI, logo no começo (1506), uma ermida da invocação de S. Sebastião, advogado contra as pestes, construção que foi da iniciativa dos artilheiros da guarnição de Lisboa.Em 1596, por deliberação do Arcebispo D. Miguel de Castro, a igrejinha converteu-se em paroquial de S. Sebastião (da Mouraria), desanexada da de Santa Justa, e assim o bairro tomou independência como freguesia. (...)
Ermida de Nossa Senhora da Saúde [190-] Praça do Martim Moniz; Rua da Mouraria José Artur Bárcia, in Lisboa de Antigamente |
Ermida de Nossa Senhora da Saúde [ant. 1910] Praça do Martim Moniz; Rua da Mouraria Procissão de Nossa Senhora da Saúde Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente |
A sede da paróquia em 1646 foi levada para a Igreja do Socorro; a actual Igreja da Saúde continuava a chamar-se de S. Sebastião, sem honras de Paroquial, mas muito mais representativa.Só em 1662 a Igreja de S. Sebastião passou a chamar-se de N. S. da Saúde, quando a imagem foi transferida do Colégio de Jesus [ou dos Meninos Órfãos], de que te falei, aqui a dois passos, para a actual «residência». E de Nossa Senhora da Saúde passou a ser até hoje [1938]. S. Sebastião esqueceu.Pelo Terramoto o templo recebeu dano, mas pouco, porque logo dois anos depois estava restaurado e aberto ao público.»
A Ermida — melhor é classificá-la assim — constitui um dos restos piedosos de Lisboa velha, embora os artilheiros hoje já se não preocupem com a devoção. Oferece uma certa ingenuidade; lembra uma capela de aldeia, pois não lembra?
Tem uma só nave, e mais não precisa. Os altares laterais são os de Nossa Senhora piedade e de Cristo Crucificado, e as imagens são em pintura e não escultura, obra do pintor setecentista António Machado Sapeiro. Na capela-mor vês as imagens de Santo António, S. Sebastião, de roca, e sempre muito alindada. O retábulo que notas é do escultor Brás de Oliveira. São interessantes os azulejos oitocentistas da Igreja.
Aí tens, Dilecto, o que é a Igreja de que falam os versos de um fado, até há dois anos, muito em voga:
Há festa na Mourariaé dia da Procissãoda Senhora da Saúde...
Ermida de Nossa Senhora da Saúde [ant. 1910] Praça do Martim Moniz; Rua da Mouraria Saída do andor com a imagem de Nossa Senhora da Saúde Alberto Carlos Lima, in Lisboa de Antigamente |
Mas na Mouraria, hoje, já não há procissão. A procissão da Saúde era dos mais curiosos espectáculos da Lisboa religiosa, com um carácter diverso da dos Passos e da do Corpo de Deus ou S. Jorge.A primeira vez que se realizou foi em 20 de Abril de 1570. A última em 20 de Abril de 1910. Saia de manhã cedo da Mouraria, ia à Sé onde se cantava um Te-Deum, e depois a S. Domingos, onde havia sermão. Recolhia ao entardecer à Mouraria — e era de ver-se.Na procissão iam as três imagens citadas, de S. Sebastião, dos Artilheiros, e da Saúde, ambas da mesma confraria, e a de Santo António que andou sempre ligado a S. Sebastião aqui no bairro, de outra irmandade. Música religiosa, bandas militares, filarmónicas locais; foguetes, sinos, alarido típico do sítio; «anjinhos», soldados vestindo capa vermelha sobre a farda, e, nos seus últimos trinta anos, o Infante D. Afonso, como figura de destaque, simpática ao povo. O Capelão, a Amendoeira, o Outeiro, o Coleginho, os Álamos, despejavam-se sobre a Mouraria: quadro de costumes lisboetas dos mais sugestivos que pode imaginar-se, sem a grandeza da procissão do Corpo de Deus, nem a compostura fidalga da dos Passos da Graça — plebeia, original, bairrista, enternecedora.
N.B. Os artilheiros da Guarnição de Lisboa, denominados por bombardeiros, mandaram erguer em 1505, uma pequena ermida dedicada a São Sebastião, padroeiro e advogado da peste, em cumprimento da promessa feita ao mártir pelo fim da epidemia que nesse ano se estendeu por toda a cidade e que matou muitos habitantes.
Em Outubro de 1569, o rei D. Sebastião devido a mais um surto epidémico que matou milhares de pessoas, pede ao Senado da Câmara de Lisboa a construção de uma igreja maior, consagrada a São Sebastião, e em Dezembro, ordena que a sua edificação seja efectuada na Mouraria perto do local da antiga ermida.
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. III, pp. 76-77, 1938.
SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo (dir.), Dicionário da História de Lisboa, 1.ª ed., Sacavém, Carlos Quintas & Associados – Consultores, 1994, pp. 874-876.
SANTANA, Francisco e SUCENA, Eduardo (dir.), Dicionário da História de Lisboa, 1.ª ed., Sacavém, Carlos Quintas & Associados – Consultores, 1994, pp. 874-876.
A fotografia da Pç. do Martim Moniz depois das demolições na Mouraria não pode ser de 1949.
ReplyDeleteEntão?
ReplyDeleteEntão?
ReplyDeleteEm 1949 ainda existia toda o quarteirão da Rua da Palma com o Teatro Apolo, é só fazer as contas.
Complemento o meu comentário, o Teatro Apolo é totalmente demolido em 1957.
ReplyDeleteExiste uma fotografia, de 1955, do sinaleiro do cruzamento do Socorro, com o Apolo e outro prédio, vendo-se dois VW estacionados.
Ainda há procissão.
ReplyDeleteEra bem mais bonita!
ReplyDeleteNão existia o mamarracho do centro comercial Mouraria. resta apenas a linda igreja da Nossa Senhora da Saúde. Linda Selina