O olisipógrafo Norberto de Araújo refere-se a este local como «o mais pitoresco apontamento de Lisboa em dez léguas da
grande póvoa. Tudo quanto é generoso de expressão popular assentou aqui
arraial. Alfama tem o seu Rossio — S. Miguel; a sua Sé — Santo Estêvão; o
seu Terreiro do Paço — o Largo do Chafariz de Dentro. (...) este sítio chama-se «de Dentro», porque ficava dentro das muralhas do século XIV, que passavam um pouco mais recuadas, e em recta, em relação à linha de trânsito Terreiro do Trigo-Jardim do Tabaco.
O mesmo autor considera ainda este Largo de Alfama — na confluência entre a Ruas do Terreiro do Trigo, do Jardim do Tabaco, dos Remédios e de São Pedro — , como «o Rossio de tôda a Alfama, e melhor diria o seu Terreiro do Paço pois muitos séculos não há que o mar aqui chegava.¹
Largo do Chafariz de Dentro [Início séc. XX] Chafariz de Dentro ou dos Cavalos José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente |
Largo do Chafariz de Dentro [Início séc. XX] Chafariz de Dentro ou dos Cavalos Paulo Guedes, in Lisboa de Antigamente |
Lera Calisto Elói que também o chafariz dos cavalos da rua Nova tinha prodigiosas virtudes em cura de moléstias de olhos. Procurou a rua Nova, que o terramoto de 1755 soterrara; procurou o chafariz, que, segundo ele, devia estar na rua dos Capelistas [actual do Comércio] ou Algibebes [actual de S. Julião] sucessoras daquela rua. Ninguém lhe dava conta do chafariz dos cavalos; e alguns lojistas interrogados supuseram que o provinciano não podia beber em fonte que não tivesse aquela aplicação.
O erudito respondia aos chacoteadores:
— Pois saibam que se perdeu um mirífico chafariz! Rezam os meus livros que as salubérrimas águas desta fonte perdida tinham a propriedade oculta de engordar as carruagens que bebiam dela; e acrescenta Marinho de Azevedo, textualíssimas palavras: e quando ela faz tão conhecidos efeitos nos animais, os fizera nos corpos humanos, se a beberam na sua fonte.
— Este homem parece que tem uma carruagem magra no corpo!
Com estas zombarias é que em Portugal os sábios são premiados. Se Calisto fosse um parvo, o Governo dava-lhe um subsídio até ele achar o chafariz dos cavalos.
(Camilo Castelo Branco, A Queda dum Anjo, 1866)
Largo do Chafariz de Dentro [1961] Chafariz de Dentro ou dos Cavalos Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente |
O Chafariz de Dentro, que não teve sempre esta disposição, (...) existia já no século XIV, com fartas águas que brotam do seu manancial vetusto, e foi objecto de arranjos em 1494. A sua principal reforma parece ser aquela a que se refere a inscrição em mármore rosa, colocada na frontaria e que reza na letra e ortografia da época: «Êste Chafariz mandou a Câmara desta Cidade reformar no ano de 1622, sendo presidente dela João Furtado de Mendonça do Conselho de Sua Magestada, e mais abaixo: «O qual se reformou com o dinheiro do real d'agua».»
Largo do Chafariz de Dentro [1929] Chafariz de Dentro ou dos Cavalos Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
Acrescenta Norberto Araújo que este «Chafariz chamou-se primitivamente «dos Cavalos» por motivo de as águas abundantes jorrarem da boca de cavalos de bronze que adornavam a frontaria; esses bronzes tê-los-iam levado os castelhanos, como recordação, quando levantaram o cerco a Lisboa (3 de Setembro de 1384), isto na interpretação dos dizeres de Fernão Lopes, o que não se concilia com a descrição que do chafariz faz Damião de de Góis (meados do século XVI), e na qual dá os cavalos existentes ainda. Há destas frequentes disparidades nos nossos livros velho[s].2
Largo do Chafariz de Dentro [c. 1950] Chafariz de Dentro ou dos Cavalos Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente |
É provavelmente o chafariz mais antigo de Lisboa, também designado por Chafariz N.º 19. As águas deste chafariz abasteciam o Chafariz da Praia [de Alfama] e os seus sobejos iam para um tanque de lavadeiras no Cais da Lingueta. No século XIX, tinha quatro bicas, quatro companhias de aguadeiros, quatro capatazes, cento e trinta e dois aguadeiros e um ligeiro. (ANDRADE: 1851)
¹ ARAÚJO, Norberto de, «Legendas de Lisboa», p. 194, 1943.
2 idem, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 66-67, 1939.
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