Wednesday 30 October 2019

Convento de N. S. da Encarnação : «O Mosteiro da Infanta»

O Convento da Encarnação foi mandado construir pela Infanta D. Maria (1521-1577). É um convento de freiras beneditinas, uma das belas jóias da arquitectura religiosa a ver em Lisboa, pouco conhecida, talvez, pela sua localização. E porque sua igreja só abre uma vez por semana, aos domingos. É um tesouro bem guardado.

Vicissitudes várias, relacionadas com o contexto histórico das décadas seguintes, levaram a que o Convento de Nossa Senhora da Encarnação, só viesse a ser fundado em 1614, sob a égide de Filipe III.


Convento de Nossa Senhora da Encarnação: «O Mosteiro da Infanta» [c. 187-]
Largo do Convento da Encarnação
Panorâmica tirada de São Pedro de Alcântara, vê-se o Convento da Encarnação, a Igreja de São Luís dos Franceses, e, em último plano, a Igreja e Convento da Graça.
Franccsco Rocchini, 
in Lisboa de Antigamente

Viveu a Senhora Infanta [D. Naria] — recorda o ilustre Norberto de Araújo — entre artistas, latinistas e teólogos. Devota como seu irmão, D. João III, não esqueceu nunca a filha de D. Manuel, o «Venturoso», os hábitos da corte do Paço da Ribeira, onde nascera em 1521. Era riquíssima. A sua vida de sempre menina decorreu, deslizou entre mesuras paçãs e perfumes de incenso. [...]
Diz-se que foi amada por Camões, e que talvez lhe tivesse dado asas para o Poeta voar a tão «alto pensamento». Era uma linda senhora, de nariz um tudo nada imperfeito, o que lhe imprimia um ar de malícia excelsa, e lhe aumentava o picante da expressão, misto de sensualidade e idealismo, como no desenho de Chantilly, cópia de Gregório Lopes. [...]

Convento de Nossa Senhora da Encarnação: «O Mosteiro da Infanta» [ant. 1880]
Largo do Convento da Encarnação. 
Perspectiva da Praça D. Pedro IV, observando-se em cima, à dir., o Convento da Encarnação.
Fotografia anónima, in Lisboa de Antigamente

E eis-nos, Dilecto, no Largo, e defronte do Convento da Encarnação. É o edifício enorme que de todos os altos de Lisboa se avista,
É um casario soturno, quase misterioso, debruçado sobre o Rossio. Na sobreporta da Igreja ostenta-se o brasão daquele infantado virginal. Por todo o edifício, pelos claustros e terraços, esconsos e escadarias, pejadas de oratórios, de altares, de mistérios místicos — passa ainda, apesar de no mosteiro nunca ter vivido, o talhe esbelto da Senhora Infanta, vestida com o hábito branco de S. Bento, ornado da cruz verde de Avis, tal qual cai ainda hoje dos reposteiros moles.
No exterior, em pleno Largo do Convento, uma casinha setecentista de um pitoresco inverosímil, milagre de arquitectura ingénua e popular, reúne-se à ostentação artística da Igreja, repousada nos seus azulejos, pinturas de bom pincel e lavores de prata.

Convento de Nossa Senhora da Encarnação: «O Mosteiro da Infanta» [c. 1940]
Largo do Convento da Encarnação

Do lato esq. vê.se o portal nobre do convento e à dir., a entrada da Igreja Igreja ostentando o brasão daquele infantado.
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente
Convento de Nossa Senhora da Encarnação: «O Mosteiro da Infanta» [c. 1940]
Largo do Convento da Encarnação, claustro

A Encarnação ligada à Ordem de S. Bento de Aviz, e, assim, de seu começo, com sigla militar — é um documento monumental do século XVII.
Eduardo Portugal, 
in Lisboa de Antigamente

Um grande incêndio ocorrido em 1734, e os danos provocados pelo Terramoto de 1 de Novembro de 1755 obrigam a grandes intervenções no edifício conventual.
Após a extinção das ordens religiosas, a 30 de Maio de 1834, as condições de vida no convento decaem consideravelmente por ter cessado a entrada dos rendimentos provenientes da Ordem de Avis. O Convento da Encarnação é extinto em Março de 1896 após a morte da última religiosa e integrado na Fazenda Nacional. Já no início do século XX passa a integrar os «Recolhimentos da Capital», conjunto que desde 2011 está sob gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Convento de Nossa Senhora da Encarnação, interior da igreja [c. 1900]
Largo do Convento da Encarnação

Alberto Carlos Lima, 
in Lisboa de Antigamente

Convento de Nossa Senhora da Encarnação, coro [c. 1900]
Largo do Convento da Encarnação
Uma parte do Claustro
Alberto Carlos Lima, 
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de Araújo, Legendas de Lisboa, pp. 60-61, 1943.
ALMEIDA, Fernando de, Monumentos e edifícios notáveis do Distrito de Lisboa, Volume 5, Segundo Tomo, 1975.

Sunday 27 October 2019

Sítio do Areeiro

Da Avenida Almirante Reis galga-se, em via larga, até aos antigos campos. O Areeiro é já citadino e viverá pouco quem não vir edificar até Sacavém e, com a velocidade adquirida, fazer-se a junção, através de largas passagens, com os antigos desertos saloios. Dentro em pouco será quási impossível encontrar, a vinte ou trinta quilómetros da Baixa, uma aldeia fresca e repousante que não esteja na iminência de ser conquistada pela cidade ambiciosa.

Praça do Areeiro, actual Praça Francisco Sá Carneiro (desde 1982) [1945]
Adiante do eléctrico vê-se o apeadeiro do Areeiro, e para além da linha férrea, à dir., o antigo retiro «Perna de Pau», um dos sítios mais frequentados das hortas alfacinhas, situado na velha Estrada de Sacavém e que ligava a actual Praça do Chile a Sacavém; à esq., desaparecendo no horizonte, a Estrada do Aeroporto, hoje Av. Gago Coutinho
Eduardo Portugal, in AML

Existiam, naquele sítio do velho Areeiro, as locandas famosas, os «retiros» a que o cenógrafo Eduardo Reis, pai, chamava «Tabernáculos», e ficaram célebres a «Perna de Pau» e «José dos Pacatos», rivais do «Teotónio» da Calçada do Carriche, do «Quebra-Bilhas», do Campo Grande, e doutros variados sítios e petiscos que mais vale olvidá-los, agora, com seus aromas e alegria.

Praça do Areeiro, actual Praça Francisco Sá Carneiro (desde 1982) [1947]
Avenida Almirante Reis; Prova de Ciclismo
Horácio Novais, in FCG

A extracção de areia na antiga Quinta da Montanha, destinada à construção dos prédios nesta zona, está na origem do nome desta nova freguesia da cidade. Ainda hoje se podem encontrar vestígios dessas escavações, ao fundo da Avenida dos Estados Unidos da América, no morro desta quinta.

Praça do Areeiro, actual Praça Francisco Sá Carneiro (desde 1982) [1947]
Avenida Almirante Reis; Prova de Ciclismo
Horácio Novais, in FCG

Bibliografia
DANTAS, Júlio Lisboa dos nossos avós, 1966.

Friday 25 October 2019

Calçada da Ajuda

A Calçada da Ajuda é uma comprida e íngreme artéria que outrora vencia a passagem de uma ribeira quase seca no Verão denominada Ribeira dos Gafos. Esta Calçada tem cerca de um quilómetro de extensão contando desde o Museu dos Coches até ao muro do Jardim Botânico, onde existiu um marco, pouco acima do respectivo portão com as iniciais CMB (Câmara Municipal de Belém), uma das poucas recordações desse Concelho que após a sua extinção persistiram na freguesia da Ajuda.
Antes do Terramoto de 1755, após o qual a via foi aberta, o sítio era despovoado e nele se cultivavam oliveiras, pomares, vinhas e trigo. Ao lado de prédios que ainda conservam varandas de sacada e varadins de ferro forjado, estabeleceram-se aqui numerosos quartéis

Calçada da Ajuda [1971]
Esquina com a Tv. de Paulo Martins, topónimo atribuído por deliberação camarária de 21 de Setembro de 1916. Paulo Martins exerceu o cargo de reposteiro da Casa Real e foi dono do edifício onde, nas águas-furtadas nasceu Simão Botelho, o protagonista de «Amor de Perdição»
Nuno Barros da Silveira, in Lisboa de Antigamente

A Calçada da Ajuda deu passagem ao séquito da Família Real aquando do seu embarque para o Brasil, aos círios de Nossa Senhora do Cabo e à procissão do Senhor dos Passos de Belém que ia até à Patriarcal da Ajuda. E grandes ornamentações nela se fizeram aquando da celebração, em 1886, do casamento do Príncipe Real D. Carlos com a Princesa D. Maria Amélia de Orleães. Ao longo de dois séculos e meio de existência, a Calçada da Ajuda foi assim palco de cortejos reais, procissões e desfiles militares.

Calçada da Ajuda [1967]
Augusto Fernandes,in Lisboa de Antigamente

Tal como no Largo e na Travessa, a deliberação camarária de 21 de Setembro de 1916 e o Edital de dia 26 do mesmo mês, oficializou os topónimos tradicionais do local que perpetuam o nome do sítio: Ajuda. [cm-lisboa.pt]

Alto da Ajuda, cruzamento da Calçada da Ajuda com Rua dos Marcos, Rua do Mirante, à Ajuda com a Rua das Açucenas [1939]
Ao fundo observa-se o Arco (já demolido) que servia de ligação entre o Palácio e o Jardim Botânico pela zona onde hoje é a GNR. Destinava-se ao passeio da rainha.
Eduardo Portugal in Lisboa de Antigamente

Wednesday 23 October 2019

Igreja de S. João da Praça

Bem; estamos em S. João da Praça. Aqui temos a Igreja, velha paroquial integrada desde 1885 na de Santa Maria (Sé).

A paroquial igreja de S. João da Praça data do princípio do século XIV, pelo menos, e teve por orago S. João Degolado, ou seja S. João Baptista; tinha padroeiros, de nomeação real, o último dos quais foi D. Pedro José de Noronha, Marquês de Angeja (século XVII).


A existência da igreja remonta aos reinados de D. Afonso II ou de D. Sancho II. Em 1317, D. Frei Estêvão II, bispo de Lisboa consagrou o padroado da igreja dedicada a São João Degolado. É provável que tenha sido reedificada em 1442.
Posteriormente, recebeu a invocação de São João da Praça, por ser esse o local onde os condenados iam cumprir as sentenças.

Igreja de São João da Praça |1901|
Rua de São João da Praça, 66-82; Rua do Barão (dir.)
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

O Terramoto destruiu completamente este templo, que era relativamente pequeno e pobre, havendo-se depois construído outro, que é este hoje de pé, mas que também ardeu em parte, sofrendo grande ruína, em 3 de Maio de 1896, quando do incêndio da Fábrica de Massas, de João Luiz de Sousa, na Rua do Barão.
Fez-se então sob o patrocínio da Rainha D. Amélia e do Cardeal Patriarca, D. José Neto, uma subscrição pública para reedificação e restauro da Igreja de S. João da Praça.

Atingida pelo incêndio que se sucedeu ao terramoto de 1755, a freguesia passou para a Ermida de Nossa Senhora do Rosário; em 1768, fazia-se no cais de Santarém, uma barraca para a sua acomodação. 

Igreja de São João da Praça, fachada lateral |1901|
Rua de São João da Praça, 66-82
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente

Em 1774, já estava reconstruída a antiga igreja paroquial e a freguesia voltou ao seu local de origem. Por decreto de 24 de Dezembro de 1885, para efeitos eclesiásticos, a freguesia foi anexada à de Santa Maria Maior da Sé Patriarcal, e recebeu um pároco instituído canonicamente.
Em 1886, os registos paroquiais já eram lavrados nos livros da Sé.
Em 1906, por decreto de 3 de Maio, recebeu o título de Real Capela de São João da Praça.

Igreja de São João da Praça |c. 1901|
Rua de São João da Praça, 66-82
José A. Bárcia, in Lisboa de Antigamente

No exterior apresenta fachada rasgada por um portal, de frontão semicircular, interrompido por um medalhão esculpido com o "Agnus Dei". 
O interior, de nave única oitavada com altares sob tribunas, coro-alto e capela-mor rectangular, conserva alguns elementos interessantes: a decoração dos 2 altares rocócó do cruzeiro, com a imagem da Virgem do lado da Epístola, da autoria de Machado de Castro; toda a imaginária barroca dos vários altares; e os painéis de azulejos historiados, com cercadura rocaille da sacristia.
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 38, 1939.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. VI, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.

Sunday 20 October 2019

Pátio do Marechal

Por trás do quarteirão, à esquerda desta Rua [do Barão], passa a Travessa das Merceeiras, que teve em tempo saída, pelo hoje Pátio do Marechal, antigamente Rua dêste nome que levava da Alfama (Porta de S. Pedro) até S. Martinho (Rua do Arco do Limoeiro hoje Rua de Augusto Rosa); a muralha que antecedeu estes prédios, foi construída em 1837.
Aqui, quási ao fundo desta Rua, ainda à esquerda, defronte da face norte da Igreja de S. João da Praça, é que existiu a fábrica de massas, que um incêndio devorou, e que se propagou ao templo, pela Capela-mór, [...]

Pátio do Marechal [1901]
Travessa das Merceeiras
Machado & Souza,in Lisboa de Antigamente

O Visconde de Castilho julga que os vestígios de muralha, que se notam ainda no paredão Norte da actual Travessa das Merceeiras, próximo do Pátio do Marechal, seriam os.embasamentos que sustentavam o palácio dos condes de Vila-Nova, cuja frontaria e pátio deitavam cá em cima, do outro lado, para defronte de S. Martinho.

Pátio do Marechal [1903]
Travessa das Merceeiras
Machado & Souza, in Lisboa de Antigamente
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Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. X, pp. 40-41, 1939.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. IX, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.

Friday 18 October 2019

Rua do Barão

Eis-nos no cimo da Rua do Barão, artéria do século passado [XIX], e que sucedeu a uma muito mais estreita Rua do Barão Velho, designação do século de quinhentos, e cujo titulo derivou do 1.° Barão de Alvito, João Fernandes da Silveira, chanceler-mór de D. Afonso V e de D. João II.
Confessa, Dilecto, que estes desvios contribuem para amenizar o passeio: vamos dar sempre ao mesmo sítio, que é o que sucede em todos os burgos velhos.

Rua do Barão |1908|
 Confluência com a Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro
Machado & Souza, 
in Lisboa de Antigamente

Em 1554 a artéria designava-se por Rua do Barão Velho, o que Pastor de Macedo interpreta como «O adjectivo deveria ter sido aposto ao nome da rua, quando o Barão deixou de lá morar». Mais esclarece o olisipógrafo que «Em 1486 vemos designá-la por rua que vay pera a porta d`alfama, depois, conforme já se disse, por Rua do Barão em 1552, e por Rua do Barão Velho em 1554. Desde então até hoje foi sempre a Rua do Barão ou do Varão, e uma vez, em 1684, chegou a ser a Rua do Verão.»

Rua do Barão \1901|
 Junto à Igreja de S. João da Praça
Machado & Souza, 
in Lisboa de Antigamente

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XX, p. 40, 1939.

Wednesday 16 October 2019

Merceeiras d'el Rei D. Afonso IV

Aqui temos agora uns passos andados à direita da rua [de Augusto Rosa], este prédio pequeno, chamado, e justamente, das "Merceeiras". Foi, e é, a sede de uma instituição fundada por D. Afonso IV e por D. Beatriz [ou Brites]¹, sua mulher (cujos túmulos, reconstruídos, estão na capela-mór da Sé).

 

"Merceeiras" provêm de "mercê" e não de "merce" — mercadoria — ; eram instituições de assistência onde aqueles que recebiam mercê ficavam com certos encargos espirituais ou religiosos. Nesta casa se recolheram, segundo a disposição real de 1343, vinte e quatro criaturas, "doze homens bons e doze mulheres de bons costumes, fama e vergonha", que, havendo tido honra e alguma cousa de seu, caísse depois em penúria.
De seu começo a Casa, que tinha carácter de hospício, não assentava neste sítio, mas mais baixo para a banda do rio, a encostar à muralha que corria onde é hoje o Campo das Cebolas; mais tarde esteve nas traseiras de Santo António, à Sé.

Edifício das Merceeiras  [1902]
Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras; Travessa das Merceeiras 
Sobre a porta principal pode ler-se a seguinte inscrição: "Cazas para a habitação dos Merceeiros do Snr. Rey D. Afonso IV e Merceeiras da Snrª Raynha D. Beatris sua mulher Novvamte edificadas pelo favor e ordem da Raynha fidelissima D. Maria I nossa senhora em o Anno de MDCCLXXXV sendo Provedor D. Caetano de Noronha.".
Machado & Souza, in AML

Data de 1785 a construção dêste prédio, por ordem de D. Maria I. Em 1851 a instituição foi incorporada na Assistência Oficial, e passou a ser dependência do Asilo da Mendicidade: actualmente [1938] está integrada no Ministério do Interior, Direcção Geral da Assistência, fazendo parte do grupo de recolhimentos (e não asilos), e que são ao todo sete: este das "Merceeiras", onde habitam vinte e quatro senhoras de boas famílias de oficiais superiores do Exército, o das Comendadeiras de Avis, no antigo Convento da Encarnação, o das Comendadeiras de Santiago, no antigo Convento de Santos-o-Novo (ambos desanexados arranjos da Administração das Ordens Militares em 17
de Agosto de 1934), o de Lázaro Leitão, a Santa Apolónia, o do Grilo, ao Beato, o de Campolide, fundado em 1931 no prédio n..º 161 desta rua, e o de S. Cristóvão, antigo recolhimento do Amparo
arruinado, e que vai ser demolido.
Entremos uns momentos, com a devida vénia, não perturbar o remanso destas velhinhas.

Edifício das Merceeiras, traseiras  [1902]
Travessa das Merceeiras; Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras
Machado & Souza, in AML

A casa é decrépita mas asseada, em seus dois pavimentos, sendo os aposentos independentes — uma casa separada para cada recolhida. Nenhum aspecto de albergue; cada senhora se mantém à sua custa. podendo sair quási todas, só recolhendo para dormir.
Ao todo estas sete casas recolhem 196 senhoras e 70 agregadas (criadas ou parentes de auxilio). A maioria das senhoras recolhidas recebe 105$00 por mês, e outras o  dobro, segundo o rendimentos próprios daquelas instituições.
Deixemo-las em paz. Quero dizer-te ainda que neste edifício, no meado do século passado (em 1845 pelo menos), foi instalada a filial oriental do Liceu Central de Lisboa, cuja sede era na Rua de S. João de Nepomuceno; a filial ocidental era na Casa Pia.
Por trás do prédio corre a Travessa das Merceeiras, sem saída desde 1837, e que morre no Pátio do Marechal, onde, a certa altura, se encontra o muro alto que apoia uma parte do pátio do Limoeiro.

Edifício das Merceeiras  [1945]
Rua de Augusto Rosa, 15; Beco das Merceeiras; Travessa das Merceeiras 
Afonso IV instituiu numa capela da Sé de Lisboa uma mercearia, com missa cantada diariamente por sua alma e pela Rainha D. Beatriz.
Eduardo Portugal, in AML

¹ Afonso IV (Lisboa, 8 de Fevereiro de 1291– Lisboa, 28 de Maio de 1357), apelidado de '''Afonso, o Bravo''', foi o Rei de Portugal e Algarve de 1325 até sua morte. Era um dos filhos do Rei D.Dinis de Portugal e sua esposa Isabel de Aragão — canonizada como Santa Isabel. Casou a 12 de Setembro de 1309 com D. Brites ou Beatriz de Castela, que nasceu em Toro em 1293 e morreu em Lisboa a 25 de Outubro de 1359.
____________________
Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. II, pp. 53-55, 1938.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. VI, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.

Sunday 13 October 2019

Cadeia do Aljube e o «Celeiro da Mitra»

Subindo, na linha dos carros eléctricos da Graça, a Rua do Arco do Limoeiro — pode ler-se no Guia de Portugal — vê-se, à esq., a cadeia do Aljube, que serve de prisão para mulheres. É um velho edifício de janelas gradeadas, em cujo pavimento térreo era o antigo celeiro da Mitra. Foi palácio do arcebispo de Lisboa D. Miguel de Castro (séc. XVI), tendo servido no séc. XVII de palácio arquiepiscopal.


O que teria sido o edifício actual do Aljube, situado na Rua de Augusto Rosa [antiga do Arco do Limoeiro], em frente da fachada norte da Sé, e quem o teria mandado erigir?
O edifício actual não oferece aspecto de haver servido de palácio ou paço episcopal, mas é natural que tenha havido nesse local alguma dependência do mesmo.
Que por ali foi uma dependência do paço mostra-o o escudo de armas do arcebispo D. Miguel de Castro (1668 a 1625) colocado sobre a porta principal do edifício [vd. 4ª foto], o que faz supor, se não a sua fundação, pelo menos obras na época deste prelado, ou remodelação do edifício que anteriormente tivesse existido nesse sítio.

Cadeia do Aljube [post. 1914]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro
Em cima, à esq., pode ver-se o topo da pirâmide que encimava a torre 

Norte da Sé Patriarcal antes das obras de restauro.
Charles Chusseau-Flaviens, in GEH

A sua arquitectura exterior, assim como a sua estrutura interior, não revelam grande antiguidade, parecendo serem obra da segunda metade do século XVIII, não falando dos andares superiores, que são relativamente modernos.
Tem uma loja abobadada, um rés-do-chão, e mais quatro andares. O rés-do-chão é dividido em poucos compartimentos, todos abobadados, com abóbadas de aresta que tomam apoio nas paredes exteriores, em pilares centrais, e noutras paredes interiores; o primeiro andar tem alguns compartimentos cobertos com abóbada, e outros com tecto plano estucado; os andares superiores não apresentam cousa digna de menção.
No edifício se instalou, ignoramos desde quando, a prisão designada por Aljube.

Cadeia do Aljube, Pátio do Aljube [c. 1900]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro

Escadaria de pedra entre os dois edifícios: o Aljube e o «Celeiro da Mitra»; do lado esq. vê.se a antiga entrada sobrepujada pelo escudo de armas do arcebispo D. Miguel de Castro (1568-1625)
 José Artur Bárcia, inAML

Era o Aljube a prisão dos delinquentes em matéria eclesiástica. Assim o diz Bluteau em 1712.
Este cárcere é porém muito antigo, pois já as constituições do arcebispado de Lisboa de 1536, publicadas em 1588, estabeleciam a pena de prisão dos ministros da igreja no Aljube.
O alvará de D. João III, de 16 de Janeiro de 1554, determinava que os presos no Aljube do arcebispado de Lisboa, condenados para o Brasil, ou para as galés, fossem recebidos na Cadeia da dita cidade, para serem embarcados quando houvesse leva de outros presos.
Não dizem porém os autores antigos onde era situada esta prisão. Antes de 1755, do lado esquerdo da Rua Nova do Almada, na sua base, ficava o Largo do Aljube, que devia o nome a umas casas, naquele ano pertencentes ao visconde de Barbacena, e que anteriormente serviram de aljube. Na prisão do Aljube estavam encarcerados, em 1848, os forçados a trabalhos públicos; mais tarde foi o cárcere privativo das mulheres; actualmente (1936) serve de prisão a presos políticos.

Cadeia do Aljube [1901]
O edifício apresentava apenas um andar sobre o térreo
Machado & Souza


Cadeia do Aljube, portão [1959]
Pedra de armas de D. Miguel de Castro
Machado & Souza


Noutros tempos era a passagem para o pátio do Aljube feita por uma escada com seu adro, defronte da porta travessa da Sé, que a Câmara Municipal mandou demolir em Junho de 1836 substituindo-a pela escadaria de pedra entre os dois edifícios, que lá está.
Apenas separado do Aljube pela escada de pedra citada, fica um outro edifício conhecido por celeiro da mitra [vd. foto abaixo], actualmente com rés-do-chão e dois andares. Sobre a porta principal vêm-se, em alto relevo, as armas do arcebispo D. Afonso Furtado de Mendoça, que governou a diocese de Lisboa de 1627 a 1630. Este emblema heráldico indica, se não a construção original, ao menos obras de reconstrução ou remodelação no 2.° quartel do século XVII, e, em qualquer dos casos, que o edifício era uma dependência do paço dos arcebispos, que lhe ficava fronteiro.

Cadeia do Aljube e o Celeiro da Mitra [1971]
Rua de Augusto Rosa, antiga do Arco do Limoeiro

À altura das janelas do 2º andar observa-se a Pedra de Armas do arcebispo D. Afonso Furtado de Mendoça, encimada por um chapéu com 3 ordens de borlas pendentes.
 Fotógrafo não identificado, in AML

Por cima deste escudo existiu a seguinte inscrição, que o visconde de Castilho copiou, e deixou nos seus apontamentos para uma 2.ª edição da sua obra:
FOREIRO
AS CADEIRAS SU
PREMIDAS, HOJE
ENCORPORADAS
NO R SIMINARIO
DO PATRIARCA
DO EXIST.E NA V.ª
DE SANTARÉM
1....3
Já lá não está.
As paredes do rés-do-chão e primeiro andar são grossíssimas, e aquele só tinha originariamente um compartimento único, abobadado, sem apoios intermédios.
O rés-do-chão foi uma cavalariça, e ainda lá se conservam vinte e nove manjedouras, em frente de outros tantos nichos abertos nas paredes dianteira e posterior da casa, correspondentemente às quadras do gado [os tristemente célebres «curros»].
O edifício ainda em 1914 tinha apenas um andar sobre o térreo, o qual servia então de Teatro do Aljube. Sobre ele foi construído, há poucos anos, um 2.° andar, e nos dois está instalada actualmente (1936) uma oficina de maleiro.

Rua do Arco do Limoeiro, desde 1924 Rua Agusto Rosa [post. 1906]
Do lado esq.  — fronteiro à Cadeia do Aljube — observa-se o portão, do estilo de Renascença, que dava entrada para o antigo Paço dos Arcebispos.
Segundo Norberto de Araújo, este portão foi construido no tempo do arcebispo D. Luiz de Sousa. no final do século XVII; em último plano vê-se a torre Norte da Sé Patriarcal encimada por pirâmide derribada por volta de 1930.
 José Artur Bárcia, in AML

N. B. A 25 de Abril de 2015 foi inaugurado neste edifício o Museu do Aljube, cumprindo o dever de gratidão e de memória da cidade de Lisboa e do país às vítimas da prisão e da tortura. A reabilitação e adaptação do imóvel a espaço museológico esteve a cargo do arq-º Graça Dias.
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Bibliografia
Guia de Portugal: v. Generalidades. Lisboa e arredores, p. 279, 1924.
CASTILHO, Júlio de, Lisboa Antigs. Segunda Parte. Bairros Orientais, vol. VI, 2ª edição Revista e ampliada pelo autor e com anotações do Eng. Augusto Vieira da Silva, 1936.
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. II, 1938.

Friday 11 October 2019

Livraria Barateira (Palácio Trindade)

Fundada por Salvador Santos Romana em 1914, na Rua do Duque, esta pequena casa veio a mudar em 1930 para este prédio datado de 1835. Ocupava duas salas — espaço que outrora funcionou como cavalariça do antigo Convento da Trindade. Uma pedra gravada na base de coluna aflora numa das paredes a atestar a antiguidade do local. 
Encerrou portas em 2012.

Livraria Barateira (Palácio Trindade) [1968]
Rua Nova da Trindade, 16-20, perspectiva tomada do Largo da Trindade.
Armando Serôdio, in Lisboa de Antigamente

Conhecido por Palácio Trindade, foi antiga residência de Manuel Moreira Garcia. A fachada principal abre-se para o Largo da Trindade e na fachada posterior encontramos o jardim delimitado por um muro de alvenaria e pelas fachadas posteriores dos prédios da Rua da Trindade, nomeadamente a Casa do Ferreira das Tabuletas, também propriedade daquele capitalista galego.

Rua Nova da Trindade [c. 1940]
A Rua Nova da Trindade foi aberta depois de 1836 no espaço ocupado por parte do Convento da Trindade. Cervejaria Trindade e o Palácio Trindade (ao fundo).
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

Wednesday 9 October 2019

Estação do Cais do Sodré

A Estação do Cais do Sodré — linha de Cascais — que aqui vês, foi inaugurada em 18 de Agosto de 1928, e dela foi arquitecto Pardal Monteiro, que adoptou êste estilo prático e desafogado, decente mas sem cousa alguma de monumental. Substituiu uma estação ferroviária que levava 32 anos [vd. 4ª e 5ª  foto].


A ligação ferroviária do Cais do Sodré a Cascais data de 1896, «antes ia-se a Cascais partindo da estação de Pedrouços, que servia de testa de linha» [Araújo: 1939]. «O comboio abranda» ao chegar ao Cais do Sodré. Nele vem Bernardo Soares. Fora «pagar a Cascais uma contribuição do patrão Vasques, de uma casa que tem no Estoril», gozando «o prazer de ir, uma hora para lá, uma hora para cá, vendo os aspectos sempre vários do grande rio e da sua foz atlântica».

Panorâmica sobre o Cais do Sodré [1944]
Estação do Cais do Sodré, Praça Duque da Terceira e Avenida 24 de Julho
Estátua de António José de Menezes Severin de Noronha, 1792-1860, 1º duque da Terceira; Jardim Roque Gameiro
Judah Benoliel, in A.M.L.

A Estação de Caminho-de-Ferro do Cais do Sodré é a primeira grande construção do seu autor, o arq. Porfírio Pardal Monteiro. Trata-se de um projecto executado para a Sociedade Estoril, que ambicionava desenvolver turisticamente o território favorecido pela exploração desta linha férrea. A Estação foi desenhada como se de um empreendimento público se tratasse, antevendo por certo esse estatuto posterior, na sua utilização efectiva e importância social.

Estação do Cais do Sodré [1963]
Praça Duque da Terceira
Armando Serôdio, in A.M.L.
Estação do Cais do Sodré [1928]
Praça Duque da Terceira; Av. 24 de Julho
Porfírio Pardal Monteiro, in A.M.L.

Trata-se de uma construção moderna de transição, de acordo com a própria modernização da linha operada em 1926, com a sua electrificação, e com uma proposta estilística assente nos ensinamentos da «Art-Déco». Abre-se ao espaço exterior através de grande superfícies de iluminação em ferro e vidro e de um grande arco envidraçado inserido num corpo que articula as fachadas laterais. Esta relação com a Praça marca efectivamente a modernidade deste edifício, servindo para tal a sua situação privilegiada em esquina. 

Bilheteiras da Estação do Cais do Sodré [195-]
Armando Serôdio, in A.M.L.

A expressão formal decorre das possibilidades do novo material, o betão armado. Os seus motivos decorativos abundam em detrimento dos trabalhos em ferro e avançam para uma ideia de novo progresso (em contraponto ao progresso oitocentista) decorrente do desenvolvimento pretendido, tanto para o país, como também para o território entre Lisboa e Cascais. Simultaneamente, esta obra anuncia a caracterização depurada da arquitectura que Pardal Monteiro viria a projectar e que contribuiu decididamente para uma renovação da linguagem da arquitectura portuguesa.

Panorâmica sobre o Cais do Sodré [c. 1896]
Antiga Estação do Cais do Sodré (esq.), Praça Duque da Terceira. Partindo ainda do Cais do Sodré, junto ao rio e em direcção paralela à deste, estende-se a grande Avenida 24 de Julho, ou, mais vulgarmente o Aterro.
Fotógrafo não identificado, in A.M.L.

«Um dia, ao comprar o bilhete do caminho de ferro na estação do Cais de Sodré, colocou em cima do guichet a importância da passagem em terceira classe e, quando o empregado lhe perguntava qual a classe desejada, respondeu irónico: «La que Usted quiera!»

Estação do Cais do Sodré [1908]
Legenda da foto no arquivo:«Eleições legislativas em Lisboa: condução de presos para a estação do Cais do Sodré com destino a Caxias»
António Novais, in A.M.L.

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. XIII, pp. 40-41, 1939.
PESSOA, Fernando, O Livro do Desassossego, 1982.
CML-Cadernos do Arquivo Municipal, nº4, pp. 24-25, 2000.
Portucale. Revista ilustrada de cultura literária, scientífica e artística, 1943.

Sunday 6 October 2019

Sítio da Achada: chafariz das Gralhas e Recolhimento do Amparo

Este sítio da Achada, que foi arrabalde da cidade muçulmana — recorda-nos o ilustre Norberto de Araújo — , deve o seu nome, muito antigo e característico, pois já é citado em 1554, ao facto de aqui se encontrar uma pequena planície ou descanso da encosta. «Achada», com efeito, é uma contracção de «achaada», terra chã.



Rua da Achada esquina com o Largo da Achada [194-]
[Prédio setecentista demolido]
Eduardo Portugal, in AML
(clicar para ampliar)


Largo da Achada esquina com o Beco de São Francisco [1901]
[Prédio setecentista alterado]
Machado & Souza, in AML



Como vês, há aqui casas curiosas, interessantes na sua construção de alguns séculos, e como raras se encontram na Alfama. Por exemplo: estas na esquina nºs 17 e 19 [2ª foto] de feitio setecentista, com primeiro piso de ressalto na reentrância (da Achada, ou Jasmim forçadamente) defronte do Largo este prèdiozinho nº 54 [2], com porta ogival simples e janela do mesmo tipo.

Beco da Achada com o Largo da Achada esquina com o [1901]
Casa quatrocentista com porta e janela ogivais.
Machado & Souza, in AML

É, no seu conjunto, bem pitoresco este sítio com seu marco fontanário rodeado de escadaria circular.

Chafariz do Largo da Achada, antigo Terreirinho das Gralhas [1945]
Ao fundo, nas Escadinhas da Achada observa-se o portal e lápide
do Recolhimento do Amparo.
Eduardo Portugal, in AML

Deste largo [antigo  Terreirinho das Gralhas] e rua sobe-se por contínuas escadas (sempre Rua da Achada) para a Costa do Castelo, e encontra-se à direita o velho Recolhimento do Amparo ou de S. Cristóvão, dentro de um pátio ou eirado, cujo portal ostenta uma lápide relativa à fundação do Recolhimento. Podemos ler no português de hoje: «Louvado seja o Santíssimo Sacramento. Este Recolhimento de N. S.' do Amparo é das meninas orfãs. Padre Nosso pelas Almas. l6l0». Esteve sujeito à Real Mesa da Consciência, e destinou-se finalmente só a pensionistas. Mas entremos no Pátio. O Terramoto sacudiu esta Casa e deixou-a maltratada.

Recolhimento do Amparo ou de S. Cristóvão [195-]
Rua da Achada com o Largo da Achada (antigo  Terreirinho das Gralhas)
Judah Benoliel, in AML

Bibliografia
ARAÚJO, Norberto de, Peregrinações em Lisboa, vol. III, p. 55, 1938.
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