Sunday 8 October 2017

Lisboa Vista do Cimo dos Montes

Poucas vezes no mundo verá o viajante, como em Lisboa, tanta magnificencia de espectaculos naturaes, e tamanha variedade de scenario! (...)

Temos ahi uma vista tomada da beira da esplanada sudoeste do castello de S. Jorge, e inundada do nosso formosíssimo sol peninsular. Que vasto quadro! (...) 

Basta um quadro assim, para justificar os enthusiasmos insuspeitos, com que os estrangeiros saudaram sempre a nossa capital.


«Parece-me extraordinário — escrevia em 1826 um viajante inglez — como se póde contemplar a magestade do Tejo, desde as janellas da hospedaria de Reeve, sem ficar assombrado com a magnificencia de tal quadro!» 
E vinte annos andados, exclamava Hughes:
«Lindissima se ostenta a formosa capital, como um amontoado de palacios de marmore levantado na orla d'aquelle glorioso rio! Só depois de um conhecimento intimo do interior da cidade é que a illusão se dissipa.» Se hoje voltasse o auctor a percorrer Lisboa, limpa, banhada de agua, enfeitada de jardins, cortada de avenidas, e melhorada em todo o genero de viaçao, veria todo o caminho andado na estrada do progresso material. ¹

Vista parcial de Lisboa tirada do Castelo S. Jorge  [c. 1870]
Panorâmica de Lisboa tirada da Sra do Monte
Observe-se, ao centro, o Arco Triunfal da Rua Augusta ainda por rematar. O coroamento, composto pelo grupo escultórico alegórico "A Glória coroando o Génio e o Valor" só ficou concluído em 1875.
Francesco Rocchini (1822-1895), in BNP

[...] situação única desse morro mirando o deslumbrante estuário do Tejo, a sumptuosidade do ar, a diafaneidade do céu e dos contemplativos montes da outra margem. 
Fialho de Almeida (1857-1911), «Lisboa Monumental», Barbear, Pentear [1910]

Sentado num capachinho, agarrado às grades da estreita sacada pombalina, mudo e fascinado, o menino olha os telhados de veludo, o céu sereno, o rio coberto de palhetas de prata cintilantes: são peixinhos que saltam, andam a brincar, brilham à lua - diz a irmã, e ele acredita. A tia Zulmira, sentada na pedra ao lado dele, canta baladas tristes — Sentinela do céu avançada, Que noite serena — e de repente... 
... da janela do meu quarto 
vejo saltar a sardinha!
Então é que são mesmo peixinhos de prata que pulam ao luar. A voz fresca e sentida derrama-se pela vizinhança adormecida, mexe-lhe com alguma coisa lá dentro, afoga-o de sedução. Larga as grades e estende os braços... E amor, é de amor que ele sofre! A tia aperta-o ao peito e ri-se, beija-o com ternura: «Tolo, meu tolinho!»O seio dela é macio, o seu cabelo negro cheira bem, e ele fecha os olhos, gosta de adormecer assim no zunzum das conversas, dos risos. Sente-se embalado e parte à desfilada pelo céu de prata. 
Mas há muito mais, ali, do que o luar: os cais, os guindastes, as sereias e apitos, o arfar das locomotivas e o ranger das correntes e roldanas, o martelar das forjas e dos caldeireiros. Chegam até à mansarda distante os cheiros náuticos. Riscos de fumo babujam o azul trespassado de sol. Os vapores sobem e descem devagar o rio, parecem rastejar, deixando uma esteira de espuma, as cadeias das âncoras guincham nos estais — como tudo se ouve bem, cá tão longe, no ar imenso e cristalino! ²

Vista parcial de Lisboa tirada do Castelo S. Jorge  [c. 1870]
Panorâmica de Lisboa tirada da Sra do Monte
Francesco Rocchini (1822-1895), in BNP

Bibliografia
¹ CASTILHO, Júlio de (1840-1919). «Lisboa vista do Castello de S. Jorge» [26 de Outubro de 1901] in A Arte e a Natureza em Portugal.
² MOURÃO-FERREIRA, David (1927.1996), «Saudades de Lisboa de Eça de Queiroz a Miguel Torga», [19667]

2 comments:

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