Sunday 3 January 2016

O galo da Torre da Ajuda (Antiga Capela da Ajuda)

O sítio de Lisboa, mais alto e empoleirado para ver o mar — é a Ajuda.
O galo da Torre é a própria Ajuda que canta, desdenhosa de Belém, a quem não perdoa os Jerónimos e o velho Baluarte do Restelo. O galo marca um ingénuo orgulho do povo bairrista. Aquela Torre, isolada, é, na sua gracilidade e também na sua humildade de monumento, a sentinela vigilante de um Palácio que foi Paço, sucessor de Paços reais improvisados depois do Terramoto, mole arquitectónica que se mostra a toda a Lisboa, com soberano desprezo pelas outras grandiosidades de vinte metros. O galo é o alerta de voz da Torre; quando seus sinos repicaram pela primeira vez na manhã de 29 de Abril de 1793, o galo cantou -có-ró-có, e ouviu-se no cais de Belém, que é o que era preciso. Manuel Caetano de Sousa, o artista que a concebeu, para sineira de uma patriarcal rejubilou. Foi-se embora a antiga paroquial de que ela parecia fazer parte. A Capela Real sumiu-se. Mas a Torre ficou.

Torre sineira da Capela Real da Ajuda (Torre do Galo ou Torre da Ajuda) [1939]
Largo da Torre; Calçada do Mirante à Ajuda, antes Rua do Mirante, situa-se num ponto alto da zona circundante do Palácio da Ajuda.
A Torre Sineira ou Torre do Galo, como também é chamada, é o único elemento que subsiste da primitiva Patriarcal e Capela Real da Ajuda, cuja magnificência se perdeu pela sua difícil conservação, visto ser construída em madeira.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente

O sítio da Ajuda tem uma lenda, que é a história feita em poesia. Possuir um sítio uma lenda é ter sido baptizado, com o povo por padrinho. Foi assim: no século de quatrocentos isto era um campo silvestre; um pastorinho trazia o gado atrás de si, e uma flauta. Entrou numa gruta e deu com uma imagem da Virgem. Correu a nova; a Virgem obrava prodígios. Quem a ela recorresse era ajudado. E Nossa Senhora da Ajuda logo teve uma ermidinha, e por ela se fez uma romaria, se compôs um sítio, se alargou uma freguesia, se construiu um bairro.

Torre sineira da Capela Real da Ajuda (Torre do Galo ou Torre da Ajuda) [1939] 
Calçada do Mirante à Ajuda, antes Rua do Mirante, situa-se num ponto alto da zona circundante do Palácio da Ajuda.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente
Torre sineira da Capela Real da Ajuda (Torre do Galo ou Torre da Ajuda) [1939] 
Calçada do Mirante à Ajuda, antes Rua do Mirante, situa-se num ponto alto da zona circundante do Palácio da Ajuda.
Eduardo Portugal, in Lisboa de Antigamente
 
O palácio [da Ajuda] imponente, rico de semblante, de beleza arquitectural, de perspectiva — a despeito de estar inacabado — só surgiu em 1802, mas veio por acréscimo, pois a Ajuda estava feita. E ela quer ser apenas a Torre, com o seu galo, símbolo do povo, descendente, sem o saber, do pastorinho do século XV.¹

Torre sineira da Capela Real da Ajuda (Torre do Galo ou Torre da Ajuda) [c. 1950] 
Largo da Torre; Neste Largo viveu grande parte da sua vida o escritor
Alexandre Herculano (1810-1877) .

Fotógrafo não identificado, in Lisboa de Antigamente
 
A torre era o único elemento em cantaria, destacando-se as faces do primeiro registo com molduras salientes e a janela que surge no topo das mesmas, cuja moldura se liga ao friso superior, que a separa do registo central, cujos mostradores dos relógios são gravados na cantaria e são rematados por cornija alteada e angular, suportada por pingentes. A zona mais exuberante é a que envolve as sineiras, flanqueadas por pilastras toscanas e rematadas por invulgar frontão contracurvado interrompido, com os símbolos da Patriarcal. A cobertura é original, formando duplo bolbo, o inferior rasgado por óculos, sendo coroada por enorme esfera e galo de bronze.
Subsistindo à demolição da Capela Real da Ajuda em 1843, a Torre encontra-se integrada na Zona Circundante do Palácio Nacional da Ajuda, que está classificada como Imóvel de Interesse Público.¹

Torre da Ajuda e Palácio Nacional da Ajuda [1967] 
Alto da Ajuda com vista sobre o Tejo e sua ponte.
Artur Inácio Bastos, in Lisboa de Antigamente
 
Bibliografia
¹ ARAÚJO, Norberto de, Legendas em Lisboa, pp. 58-59, 1943.
² monumentos.pt.

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